RECONHECIMENTO DE FIRMA E AUTENTICAÇÃO DE CÓPIAS: BUROCRACIA OU SEGURANÇA JURÍDICA?

  em Notarial

Há alguns dias, uma conhecida me contou que havia ido a um Órgão Público com seus documentos originais e cópias simples destes para encaminhar determinada solicitação e que o funcionário de tal Órgão disse que não era necessário apresentar os documentos originais, pois as cópias estavam bem legíveis.

Fiquei bastante preocupado com tal relato.

De fato, a Lei 13.726/18, sob o pretexto da desburocratização, dispensou a exigência de reconhecimento de firma e de autenticação de cópias perante os órgãos governamentais, nas esferas federal, estadual e municipal. De acordo com o referido texto legal, os órgãos públicos não podem mais exigir do cidadão a) o reconhecimento de firma, se o cidadão assinar o documento na presença do funcionário público ou se for possível a comparação das assinaturas com o documento de identidade do cidadão, e b) a autenticação de cópia de documento, se for possível a comparação entre a cópia e a via original pelo servidor público.

Vejam, a Lei dispensa a autenticação de cópia desde que esta esteja acompanhada e seja comparada com o seu original. A Lei não dispensa a apresentação dos originais caso as cópias estejam legíveis, como ocorreu na situação que minha conhecida me relatou.

Alguns podem dizer que tal situação é um caso isolado, não é a regra. E até pode ser. É realmente difícil aferir na prática se as cópias estão sendo devidamente conferidas pelos funcionários dos Órgãos Públicos. A questão é que esta situação nos leva a refletir em quanto a dispensa das cópias autenticadas, e também do reconhecimento de firma, pode prejudicar a segurança jurídica.

Em primeiro lugar, é importante salientar que os notários e seus prepostos tem expertise e treinamento na avaliação da veracidade de documentos e de assinaturas, pois, continuamente, frequentam cursos de grafodocumentoscopia com profissionais peritos em verificação e falsificações de documentos e assinaturas. Os notários e seus prepostos, através destes cursos, estão sempre acompanhando a evolução dos métodos dos falsários, a fim de conhecê-los e coibi-los.

Ademais, para realizar o reconhecimento de firma ou autenticação, os notários cumprem regras rigorosas previstas nas leis e nos códigos de normas dos Tribunais,  verificando, além da possibilidade de fraude, a vontade e a capacidade do autor da assinatura, no caso de reconhecimento de firma.  Novamente, assim como são necessários para a verificação da veracidade de documentos e de assinaturas, a expertise e o treinamento adequado são imprescindíveis para a verificação da capacidade e da vontade das partes.

Diante disto, fica a pergunta: sem desmerecer ninguém, será que os funcionários dos órgãos públicos recebem este treinamento, têm esta expertise? Será que os servidores públicos estão capacitados a averiguar a veracidade de um documento ou de uma assinatura, estão aptos a verificar a capacidade e a vontade das partes? Tomara que sim. Pois se não estiverem, a segurança jurídica está seriamente comprometida.

Ora, as tentativas de fraudes estão por todos os lados, basta dar uma breve olhada nas notícias. Somente para ilustrar, vejam estes exemplos:

  1. Laudo revela 2ª assinatura falsa em documento usado pela Andrade Gutierrez: A força-tarefa instalada na Prefeitura de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, para enfrentar a cobrança de R$ 480 milhões da Andrade Gutierrez (AG), referente a uma suposta dívida de 1982, detectou outra falsificação de assinatura. No mesmo documento que dá base ao pedido judicial da AG, juntamente com a assinatura falsa do ex-prefeito Osvaldo Franco, está a do ex-secretário da Fazenda José Dirceu da Silveira, que também recebeu a classificação de falsa. O procurador de Betim destacou que “num documento que pretende cobrar centenas de milhões, ninguém, ao longo de 30 anos de tramitação em juízo, cobrou a autenticação cartorial das assinaturas, mas aceitou uma simples fotocópia que deu como suficiente a tamanho valor.”[1]
  2. Banco indenizará mulher vítima de fraude por assinatura falsa: O juiz de Direito Maurício Lima de Oliveira, da 16ª vara de Relações de Consumo de Salvador/BA, condenou um banco ao pagamento de indenização para uma mulher que quase perdeu seu imóvel, em razão de dívida referente a serviço não contratado. O magistrado verificou que a mulher foi vítima de fraude, tendo sua assinatura falsificada.[2]
  • Banco responde por contrato de empréstimo com assinatura falsa, decide TJ-SP: Com base na súmula 479 do STJ, que estabelece que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros, a 24ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou um banco a indenizar uma cliente que foi cobrada por contrato de empréstimo não reconhecido por ela. Perícia anexada aos autos constatou que a assinatura da cliente no contrato foi falsificada – o que não afasta a culpa do banco, segundo o relator, desembargador Walter Barone.[3]

Notem que, conforme comprovam as notícias acima, na maioria esmagadora das vezes, os prejuízos decorrentes de falsificações envolvem documentos em que não houve a chancela do tabelião através do reconhecimento de firma ou da autenticação de cópias.

Ou seja, sem reconhecimento de firma, sem autenticação de cópia, há menos segurança jurídica e, de consequência, mais prejuízos, mais ações judiciais, mais litígios, totalmente na contramão da tendência atual de desafogar o Judiciário, já incapaz de atender sua excessiva demanda.

Nas notícias trazidas, temos três exemplos de contratos que se tivessem a exigência do reconhecimento de firma, evitariam ou, no mínimo, intimidariam a ação dos falsários, evitando prejuízos às vítimas de seus atos.

É de se pensar, portanto, se a não exigência do reconhecimento de firma e da autenticação de cópia está a desburocratizar ou se está a criar um verdadeiro caos jurídico, remetendo a um Judiciário abarrotado de processos que poderiam ser evitados.

Tudo que o notário faz é trazer segurança jurídica, não burocracia. Reflita: é preferível perder alguns minutos num reconhecimento de firma ou autenticação de cópia ou perder anos de dor de cabeça e desgaste com um processo judicial para tentar reaver prejuízos decorrentes de uma falsificação? É sempre melhor prevenir do que remediar. É um clichê, mas é verdade.

A segurança jurídica proporcionada pela atuação do notário traz paz social, traz paz para você. Na verdade, a segurança jurídica é indispensável para uma Sociedade que quer prosperar economicamente, pois quanto maior segurança nas relações, menor risco, e, de consequência, maior o grau de investimento e maior a circulação de riquezas.

Desta forma, longe de ser uma burocracia desnecessária, o reconhecimento de firma e a autenticação de cópias, seja em meio físico ou eletrônico, são atos imprescindíveis para garantir que o Brasil prospere economicamente e volte a trilhar o caminho do desenvolvimento. Pense nisto!

[1] Disponível em https://www.otempo.com.br/opiniao/politica/laudo-revela-2-assinatura-falsa-em-documento-usado-pela-andrade-gutierrez-1.2260778. Acesso em 19.11.2019.

[2] Disponível em https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI307900,51045-Banco+indenizara+mulher+vitima+de+fraude+por+assinatura+falsa. Acesso em 19.11.2019.

[3] Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-set-03/banco-responde-contrato-emprestimo-assinatura-falsa. Acesso em 19.11.2019.

 

Autor: José Flávio Bueno Fischer – 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS. Ex-presidente do CNB-CF. Membro do Conselho Geral da UINL.

 

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