Cultura popular, sabedoria da simplicidade.

É fácil completar as frases seguintes, convido o leitor a fazê-lo:

1-Batatinha quando nasce …… pelo chão.

2-Quem não tem cão, … gato

3- Quem tem boca … Roma

Nove entre dez, tranquilamente, saberão solucionar o desafio.

A primeira frase se completa com esparrama.. , a segunda: caça com   e a última: vai a.  Rico exemplo de como a cultura popular é abrangente e atinge, com sua simplicidade e sabedoria, todos os indivíduos, de todas as classes sociais e das mais diferentes regiões do nosso imenso país.

Entretanto tal sabedoria, por vezes, não se mostra muito sábia.

De fato, uma análise minimamente racional, mostra-se capaz de indicar erros, inconsistências e até mesmo o absurdo de alguns legados da tradição, tão pura e simples, de nossos antepassados.

Como poderia um tubérculo (a batata, também conhecida como "batatinha") nascer e esparramar-se pelo chão? Ora, o que caracteriza este tipo de vegetal é o fato de que suas raízes, que armazenam os nutrientes capazes de nos alimentar, permanecem protegidas debaixo do solo. O que se esparrama pelo chão, evidentemente, são as ramas daquela planta.

Alguém que conheça minimamente o comportamento dos gatos consegue imaginar aquela espécie de felino agindo como um cão de caça?

É inútil esperar de um gato comportamento igual ao do cão de caça: buscar uma presa distante e alegremente entregá-la para seu dono para, em troca, receber não mais do que um afago. Isso não é da natureza do felino, mas é instintivo para o cão, que busca com seu comportamento agradar o líder da matilha ou, domesticado, agradar a seu dono.

O terceiro dito popular não é tão absurdo quanto os outros, pois a boca é instrumento poderoso, para o bem e para o mal e, inclusive, se muito bem utilizada, pode efetivamente mostrar-se capaz de convencer outros a levarem o indivíduo a lugares distantes. No entanto esta frase também pode conter em si o erro ou engano típico da transmissão oral da cultura popular.

O que espalha pelo chão, efetivamente é a rama da batatinha, mas a tradição oral simplesmente engoliu a pronúncia correta e terminou por deixar como esparrama. O mesmo fenômeno aconteceu com a expressão respeitosa  vossa mercê,  reduzida em vosmicê,  e depois, simples e modernamente, tornou-se você

Sobre caçar com gato, a explicação é a mesma. A versão correta da frase seria: quem não tem cão, caça como gato (ou seja, sozinho). Por maior simplicidade e melhor sonoridade a tradição nos deixou o com no lugar do como, o que tornou absurda a frase,  mas ainda preservou seu sentido. Inegavelmente ela se relaciona à necessidade do homem ser criativo, adaptar-se e usar de improviso nas situações adversas.

A frase que liga a boca à Roma, segundo consta, teria origem na longínqua história do mundo ocidental.

É notório que a civilização romana dominou, pela força de suas armas e cultura, o mundo conhecido de então. Como força externa e opressora que era, Roma, naturalmente, era temida e odiada em todo o mundo. Em tal contexto, o natural seria que todos tivessem por hábito falar impropérios sobre aquela força que os oprimia e, portanto, seria comum o hábito de vaiar Roma.  Se todos reclamavam da força opressora, era verdadeira – ou pelo menos quase – a afirmação: Quem tem boca (ou seja, todo mundo) vaia Roma.

Corretas ou enganosas, o fato é que não tirei tais conclusões de minha própria cabeça. Ouvi tudo isso de um palestrante, na “Semana Jurídica” promovida pela Faculdade de Direito de Matão (temos na cidade um Instituto Municipal de Ensino Superior), dois ou três anos passados. Para não perder a graça da história não consultei o oráculo –  que no mundo atual atende pelo nome curioso de Google –  sobre o assunto, mas deixo a provocação para quem desejar fazê-lo e eventualmente rebater tudo o que eu disse.

 

PS- Nesta mídia, e em outras do mesmo gênero, a polêmica e o debate é o que interessa. Quem se expõe, quer mesmo é aparecer, quer ganhar “audiência” causar polêmica e repercussão é nossa alegria (rsrsrs)  

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