O MAIS TRISTE DOS INVENTÁRIOS

No cotidiano notarial sempre nos deparamos com situações inusitadas e, por vezes, insólitas. São tantos os atos que podemos praticar, nas mais variadas situações, que acabamos envolvidos em histórias, brigas, alegrias e tristezas de pessoas que passam por nossas Serventias, e, porque não, por nossas vidas.

Como não se emocionar com o casal que, depois de tantos anos de casados, resolve se separar, pondo fim à união até então “indissolúvel”?

Ou com a pessoa humilde que vem até ao Tabelionato lavrar a escritura de seu imóvel, imóvel este, que adquiriu com muito sofrimento, com prestações à perder de vista?

Ou com o pai que, premido de remorso, dirige-se ao Cartório para lavrar uma escritura pública de reconhecimento de paternidade?

Ou ainda com o enfermo, receoso de seus últimos dias, que se dirige à Serventia para declarar as suas diretivas antecipadas de vontade?

O que dizer então dos herdeiros que, ainda abalados pela morte do seu ente querido, nos procuram para inventariar e partilhar o patrimônio deixado pelo falecido?

São tantas histórias que chegam até nós, tabeliães deste País, que muitas acabam se perdendo em nossas lembranças, desaparecendo de nossas vidas como o fogo, que mais cedo ou mais tarde tende à se apagar.

Mas de todos os atos que já pratiquei em minha curta carreira como Notário, o que mais me emocionou, sem dúvida, foi quando comecei a separar a documentação para fazer o inventário de minha querida mãe.

Falecida no final de março deste ano, passei a juntar os documentos em abril, visando regularizar logo a situação de seu patrimônio e, assim, tentar seguir a vida. Ledo engano: não há como se esquecer de alguém tão especial; quanto à seguir a vida, seguimos, mas cientes de que estamos incompletos. Em cada documento juntado, uma lembrança aparecia, surgindo em mim a certeza de que, em nosso ofício notarial, o bom trato aos clientes é fundamental, principalmente em uma hora tão difícil. Vivenciando a dor de ser parte do ato de inventário, eu pude compreender, inteiramente, o quão complicado se revela este momento e, assim, procurar novas formas de trabalho, visando reconfortar e reduzir ao máximo o trabalho e aborrecimento dos herdeiros. Essa é justamente a nossa função: pacificar, ainda que seja somente buscando a forma mais rápida e menos dolorosa para os herdeiros, que já se encontram tão abalados neste momento terrível.

Quanto à minha mãe, o que fica são as lembranças de uma de minhas maiores incentivadoras, que sempre me acompanhou em todos os momentos da minha vida, felizes ou tristes, não me deixando desistir nunca; minha mãe que me acompanhou em um dos momentos mais difíceis de minha vida, quando adoeci aos 16 (dezesseis) anos; minha mãe que me ajudou a levantar, curado e pronto para novos desafios… Fica, entretanto, a sensação de tristeza em pensar que não consegui ajudá-la no momento em que ela adoeceu, não conseguindo ajudá-la a se levantar, como ela fez por mim. Fica somente a saudade…

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  1. J. Hildor disse:

    Poxa, Tarcísio, não há como não se emocionar lendo o teu texto, especialmente por tratar desse bem tão precioso quanto a nossa própria vida – a mãe.
    Como disse o poeta:
    “Por que Deus permite
    Que as mães vão-se embora?
    Mãe não tem limites,
    É tempo sem hora…” (Carlos Drummond de Andrade)
    Meus sentimentos.
    Mesmo morando 300 Km distante de minha mãe, ao menos uma vez por mês, ou mais de uma, pego a estrada para visitá-la.

  2. JOSE ANTONIO ORTEGA RUIZ disse:

    POIS É DR. TARCISIO. Sem comentários. Nossos sinceros sentimentos. Mas suas palavras soam como todos gostariamos de soltá-las, mas muitas vezes só embarga com as emoções. Mas, creia, ela sabe o porque fez, e Deus também o sabe. Felicidades. Paz e bem, do amigo, JOSÉ ANTONIO, Amaporã-PR.

  3. Márcia disse:

    Dr. Tarcísio,
    Muito já o consultei quando advogava…também passei pela triste experiência de na condição de advogada fazer a partilha em decorrência da partida de meu pai. O sentimento é inexplicável, ser filha e profissional neste momento é muito difícil, mas tenho certeza de que meu pai só confiaria a mim este trabalho. Desde a feitura da certidão de óbito na qual fiz questão que não constasse nenhum erro de ortografia até a finalização de seu inventário.
    Passados mais de 07 anos fica a experiência vivida e a obrigação em estender a mão àqueles que vivem a mesma situação. Por isso, ao ler seu texto tenho a lhe dizer que de fato a saudade fica como bem disse, mas o que nos faz conseguir seguir adiante são as lembranças.
    Que as boas lembranças das coisas vividas juntos ajudem a tornar cada dia menos triste. Lembre-se também que o sofrimento não é eterno, o Amor é.
    Aqueles que amamos não morrem, apenas partem antes de nós. Que Deus lhe conforte, bem como a toda a sua família.
    Um abraço e meus sinceros sentimentos.

  4. ODILON RICARDO CORDEIRO disse:

    CASO CONSIGA DOUTOR, É SÓ ENTRAR NA GOOGLE E TECLAR: ANTONIO JOAQUIM DE PAULA CORDEIRO E TENTAR DESVENDAR, AONDE FOI PARAR ESTA BRIGA NA JÚSTIÇA

  5. Claudia disse:

    Também passei por isso recentemente e minha reflexão foi exatamente igual a sua. Que Deus nos conforte e nos dê coragem para ajudar o próximo.

  6. Beatriz Alves Ponceano Nunes disse:

    Lindo o texto! Saudades eternas!!!

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