Uma piada cuidadosamente construída

 

Uma piada cuidadosamente construída

 

Nesta semana escrevi um pequeno artigo confirmando a teoria do “macaco” Simão: vivemos no país da piada pronta. Aliás, aproveito o ensejo para repetir uma delas que o humorista relatou recentemente: Carro invade shopping na região oceânica de Niterói. E como é o nome da motorista? Maria Cleia PILOTTO. Rarará. Pior, o carro invadiu uma barbearia.É um conjunto de piadas prontas. (Folha de São Paulo, 29/11/2009 p.E10)

 

Entretanto, é fato que além de piadas prontas, outras existem que são cuidadosamente preparadas e estas, geralmente, são geniais. Segue adiante a transcrição da crônica do Luis Fernando Veríssimo, publicada  no Jornal O Estado de São Paulo (Caderno 2 em 03/13/2009), um belo exemplo de como se constrói humor a partir de coisas sérias e como ele pode, além de provocar riso, nos fazer pensar na glória e na miséria humana.   

Para Voltar a crer

Não faltam motivos para descrer da humanidade. Vamos combinar que fizemos coisas extraordinárias, mas nossa passagem pela Terra não está sendo, exatamente, um sucesso. Para cada catedral erguida bombardeamos três, para cada civilização vicejante liquidamos quatro, a cada gesto de grandeza correspondem cinco ou seis de baixeza, para cada Gandhi produzimos sete tiranos, para cada Patrícia Pilar 17 energúmenos. Inventamos vacinas para salvar a vida de milhões ao mesmo tempo em que matamos outros milhões pelo contágio e a fome. Criamos telefones portáteis que funcionam como gravadores, computadores – e às vezes até telefones –, mas ainda temos problema com a coriza nasal. Nosso dia a dia é cheio de pequenas calhordices, dos outros e nossas. Rareiam as razões para confiar no vizinho ao nosso lado, o que dirá do político lá longe, cuja verdadeira natureza muitas vezes só vamos conhecer pela câmera escondida. Somos decididamente uma espécie inconfiável, além de venal, traiçoeira e mesquinha. E estamos envenenando o planeta, num suicídio lento do qual ninguém escapará. E tudo isso sem falar no racismo, no terrorismo e no Big Brother Brasil.

Eu tinha desistido de esperar pela nossa regeneração. Ela não viria pela religião, que se transformou em apenas outro ramo de negócios. Nem viria pela revolução, mesmo que se pagasse para o povo ocupar as barricadas. Eu achava que a espécie não tinha jeito, não tinha volta, não tinha salvação. Meu desencanto era total. Só o abandonaria diante de alguma prova irrefutável de altruísmo e caráter que redimisse a humanidade. Uma prova de tal tamanho e tal significado, que anularia meu ceticismo terminal e restauraria minha esperança no futuro. E esta prova virá neste domingo, se o Grêmio derrotar o Flamengo no Maracanã.

Se o Grêmio derrotar o Flamengo, o Internacional pode ser campeão. Mas o mais importante não é isso. Se o Grêmio derrotar o Flamengo mesmo sabendo as consequências e o possível benefício para o arquiadversário, estará dando um exemplo inigualável de superioridade moral. A volta da minha fé na humanidade não interessa, Grêmio. Pense no que dirá a História. Pense nas futuras gerações! –  Luis Fernando Veríssimo

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  1. Flavio disse:

    Luiz Fernando disse tudo… e previu o que ocorreria… os gremistas jamais conseguiriam ser solidários ou altruístas. Eles “se acham” e sempre agirão com a soberba que vem desde o dia de sua fundação…

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