A dispensa da certidão na venda de imóveis rurais

É muito comum os Cartórios de Registro de Imóveis negarem o registro de escrituras públicas de compra e venda que tratem de imóveis rurais, quando há a menção pelo Tabelião de Notas da dispensa pelas partes da apresentação das certidões fiscais estaduais, em nome do vendedor pessoa física.

 

Os registradores imobiliários, muitas vezes, se utilizam do argumento inserido em muitos Códigos de Normas dos Estados, que prevêem a seguinte disposição: “é vedada a dispensa da apresentação das certidões fiscais quando se tratar de imóveis rurais”.

 

Ocorre que, a melhor interpretação para tal disposição é que esta exige tão somente a apresentação das certidões negativas referentes ao imóvel em si (obrigação propter rem), atinente à Certidão Negativa de débitos relativos ao Imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), e não as certidões fiscais referentes à pessoa física do vendedor.

 

As obrigações propter rem são aquelas que recaem sobre uma pessoa em razão da sua qualidade de proprietário ou de titular de um direito real sobre um bem, sendo que tais obrigações não podem ser transferidas para terceiros em se tratando exclusivamente de imóvel rural, pois o ITR deve estar quitado, sendo esta a ratio legis daquelas previsões de impossibilidade de dispensa.

 

Ao contrário, em se tratando de imóveis urbanos, e para a lavratura de escritura pública, a Certidão negativa de débitos poderá ser dispensada, caso o comprador assuma a responsabilidade pelos débitos existentes com relação ao imóvel. 

 

Além disso, de acordo com o artigo 1º, item III, letra "b", do Decreto Lei nº 93.240/86, as certidões fiscais que devem ser apresentadas referem-se única e exclusivamente ao imóvel e não à pessoa, senão vejamos:

 

 Art 1º Para a lavratura de atos notariais, relativos a imóveis, serão apresentados os seguintes documentos e certidões:

I – os documentos de identificação das partes e das demais pessoas que comparecerem na escritura pública, quando julgados necessários pelo Tabelião;

II – o comprovante do pagamento do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles relativos, quando incidente sobre o ato, ressalvadas as hipóteses em que a lei autorize a efetivação do pagamento após a sua lavratura;

III – as certidões fiscais, assim entendidas:

a) em relação aos imóveis urbanos, as certidões referentes aos tributos que incidam sobre o imóvel, observado o disposto no § 2º, deste artigo;

b) em relação aos imóveis rurais, o Certificado de Cadastro emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, com a prova de quitação do último Imposto Territorial Rural lançado ou, quando o prazo para o seu pagamento ainda não tenha vencido, do Imposto Territorial Rural correspondente ao exercício imediatamente anterior;

 

 

Ademais, a Certidão negativa estadual está relacionada  à pessoa do vendedor como pessoa física, o que não impede a dispensa, até mesmo pela ausência de prejuízo ao fisco, porque o comprador no ato da escritura, assume toda e quaisquer responsabilidades que porventura venham a existir futuramente. 

 

 

Nessa toada, a Vara de Registros Públicos da cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo, já julgou caso semelhante ao tema aqui tratado, conforme publicado no site do Sinoreg – Sindicato dos Notários e registradores (http://www.sinoreg-es.org.br/informativo_det.php?campo_boletim_id=347), nos seguintes termos:  

 

 

CERTIDÃO NEGATIVA ESTADUAL

DISPENSA EM TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEL

 

PROCESSO N. 024.020.097.598

REQUERENTE ROSTAND REINE CASTELLO

SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA

 

SENTENÇA

 

ROSTAND REINE CASTELLO, devidamente qualificado nos autos acima, suscitou a presente dúvida, a requerimento de ORLANDO SILVA CARNEIRO e sua esposa REGINA HELENA J. CARNEIRO e MACRO CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA, lavrado no Cartório do 1º Oficio de Notas desta capital, no livro 0994, fls. 127/132, alegando que não fora apresentada Certidão Negativa Estadual. O Oficial alegou que o imóvel não está livre e desembaraçado e que a Lei N. 7.433/85, regulamentada pelo decreto n. 93240/86 não exige textualmente as certidões negativas de débito, entretanto, faz referência aos demais documentos exigidos por lei. E o artigo 1.137. do Código Civil obriga a transcrição das certidões e seu parágrafo único exonera o imóvel e isenta o adquirente de toda a responsabilidade. Finaliza informando que a Associação dos registradores de Pessoas Naturais do Estado do Espírito Santo, ARPEN-ES, hoje SINOREG-ES, formulou pedido à Corregedoria-Geral da Justiça deste Estado para regulamentasse, mediante ato, assunto, e tal pedido foi indeferido. Com a inicial os documentos de fls. 05/29. O douto representante do Ministério Público manifestou-se favoravelmente ao registro do documento e, conseqüentemente, pela improcedência da dúvida. Este é, em síntese, o relatório. DECIDO. Rendo minhas homenagens ao zeloso Oficial registrador, pela dedicação ao serviço registral, entretanto, no caso em tela, a exigência manifestada não tem suporte legal. Quanto ao indeferimento do pedido da ARPEN-ES pela Corregedoria-Geral da Justiça deste Estado não se aplica ao caso, visto que foi baseado no Art. 155, da Constituição Federal reconhecendo ao Estado o direito de tributar sobre transmissão causa mortis e doação. O documento sub júdice é escritura pública de compra e venda. Realmente o Código Civil de 1916, art. 1.137, exigia a transcrição das certidões negativas, mas entrava em choque com o art. 677 do mesmo diploma legal. Por isso a Lei nº 7.433/85. Hoje o novo Código Civil silencia a respeito. O que comprova sua desnecessidade. O importante é que o comprador esteja ciente de que não foi apresentada certidão negativa. Em conseqüência ele passa a ser o responsável por débito do imóvel adquirido. Também, por que somente a certidão negativa estadual? O imposto de transmissão é devido ao município. Existe o imposto sobre o lucro imobiliário em favor da União. Por outro lado a certidão ou sua falta não está prevista na Lei dos Registros Públicos como documento de ser registrado ou averbado e onerar o imóvel matriculado. Portanto, uma criação do requerido. Desde que o comprador ficou ciente da não apresentação de certidões, ele passou a ser responsável até o valor do contrato de quaisquer débitos sobre o referido imóvel, uma garantia maior em favor do possível credor, que tem vários poderes para valer seus direitos. A certidão negativa é expedida com validade de 90 dias e é reservado à Fazenda o direito de cobrar as dívidas que venham a ser apuradas. Mas, como cobrar do vendedor, dívida apurada após a venda se ele apresentou certidão negativa e não tenha outro bem a garantir uma execução? Com um novo responsável (o comprador) a garantia só desaparece com a prescrição. Por isso que a inexistência da certidão deve ser mencionada no registro, não para onerar o imóvel, mas para que o possível credor possa se certificar quem seja o co-obrigado. Isto posto e considerando tudo mais que consta dos autos, princípios de direito atinentes à espécie, JULGO IMPROCEDENTE a Dúvida e, em conseqüência, determinar o registro da escritura mencionada sem a exigência de apresentação de certidão negativa. P.R.I.Transitada em julgado expeça-se o competente mandado e arquive-se com cautelas de estilo.Vitória, 14 de fevereiro de 2003. Benício Ferrari – Juiz de Direito Titular da Vara Privativa dos Registros Públicos do Juízo de Vitória, Comarca da Capital, de Entrância Especial.

 

 

Assim, em uma análise também à Lei nº 7433/85, que estabelece os requisitos para a lavratura de escrituras públicas, não há qualquer previsão na legislação que obrigue a apresentação da certidão negativa estadual pelo vendedor pessoa física, em se tratando de escritura de compra e venda de imóvel rural, mas tão somente a apresentação do Imposto territorial rural – ITR, devidamente quitado, não havendo qualquer óbice na dispensa da certidão negativa estadual na escritura pública de compra e venda, devendo os Cartórios de Imóveis procederem o imediato registro de tais títulos.

 

 

Rodrigo Reis Cyrino

Tabelião de Notas do Cartório do 2º Ofício – Tabelionato de Linhares – ES

Presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Espírito Santo

Vice-presidente regional do Sudeste da Diretoria do Colégio Notarial Federal – Conselho Federal

Diretor do Tabelionato de Notas do SINOREG-ES

Mestre em Direito Estado e Cidadania

Pós Graduado em Direito Privado e Direito Processual Civil

Últimos posts

EXIBINDO 0 COMENTÁRIOS

  1. Márcia disse:

    Dr, Aproveito o espaço para solicitar esclarecimento sobre um tema: Súmula 377 +separação obrigatória+ esforço comum +testamento, tema este, que causa grande dúvida no meio jurídico e a mim particularmente enorme tormento. Seu parecer seria de grande valia. Desde já peço desculpas pelo assunto em questão não guardar relação com o artigo postado.
    Tenho um caso de aquisição de bens na constância do casamento (qdo ainda vigorava a idade de 60 anos e cujo cônjuge antes de falecer fez testamento afirmando que tais bens foram adquiridos somente com recursos da legatária (cônjuge) e que no caso da aplicação da Súmula 377 a parte a ele PORVENTURA cabente deverá ficar para a legatária, a esposa). Ele deixou filhas herdeiras ( necessárias). Será que tal feito será considerado válido (em tendo provas da aquisição com dinheiro unicamente da legatária e sem oposição das herdeiras)?
    Tenho visto decisões do STJ que não exigem mais esforço comum (financeiro…afirmam que o esforço decorre da vida cotidiana e que é presumido). Ainda se considera o esforço comum (financeiro)?
    Grata.

  2. marcia disse:

    Dr, Muito Obrigada pela atenção a mim dispensada e aguardarei ansiosamente por seu artigo sobre o tema proposto que certamente será uma lição de Direito e com o qual obterei novo aprendizado e atualização, tão imprescindíveis na área jurídica.
    Grande Abraço.

  3. BRUNO VINICIUS BARBOSA MEDEIROS disse:

    Boa Tarde Dr.

    Segundo o tema acima sobre dispensa de certidão para venda de imóvel rural, não seria obrigatório a apresentação, por exemplo da certidão negativa de débitos da receita federal em nome do vendedor (pessoa física) para registrar um contrato de compra e venda.
    Diante desse raciocínio, bastaria apresentar apenas certidão da receita federal relativo ao imóvel vendido.?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *