A isenção de IRPF sobre o ganho de capital na alienação de imóvel residencial

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo apresentar a atual posição do Superior Tribunal de Justiça no que se refere à isenção de Imposto de Renda da Pessoa Física sobre o ganho de capital na alienação de imóvel residencial. Não há dúvida de que a isenção é cabível na hipótese de o produto da venda ser usado para comprar outro imóvel residencial no prazo fixado em lei, mas há isenção também no caso de o valor ser utilizado para quitar financiamento de outro imóvel residencial, adquirido anteriormente?

A questão do imposto de renda sobre o ganho de capital interessa tanto às pessoas envolvidas no negócio quanto aos profissionais que podem orientar essas pessoas no momento da alienação do imóvel. Apesar de não ser responsabilidade do notário esse tipo de orientação tributária, a confiança depositada nesse agente público e a diferença que a atenção para a questão tributária faz nas finanças dos contribuintes justificam o estudo do tema.

 

A LEI, A INTERPRETAÇÃO DA RECEITA FEDERAL E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ

É isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no Brasil na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País, benefício que somente poderá ser usufruído pelo contribuinte uma vez a cada cinco anos. É o que determina o art. 39 da Lei 11.196/2005[1]. Mas a lei deixou de tratar de forma expressa de uma hipótese comum, em que ocorre a venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar uma dívida já existente, decorrente da aquisição de outro imóvel residencial anteriormente.

Como não havia norma expressa sobre o tema, a Receita Federal criou uma restrição à isenção na Instrução Normativa nº 599/2005, o art. 2º, §§ 6º, 7º e 11, estabelecendo que a isenção não se aplica “à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante”.[2] O Superior Tribunal de Justiça – STJ, por sua vez, decidiu que a isenção do Imposto de Renda sobre o ganho de capital nas operações de alienação de imóvel prevista no art. 39 da Lei 11.196/2005 se aplica sim à hipótese prevista no art. 2º, § 11 da mencionada IN, razão pela qual o STJ declarou ser ilegal a restrição estabelecida.

O STJ[3] considerou que o Código Tributário Nacional – CTN, em seu art. 111, II, prevê que se interpreta “literalmente a legislação tributária que disponha sobre […] II – outorga de isenção”. Ainda para o STJ, a Lei n° 11.196/05, ao dispor acerca da isenção do IRPF sobre o ganho na alienação de imóvel residencial, apenas exigiu que, no prazo de 180 dias da venda, seja aplicado “o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País”.

A lei estabeleceu como requisito da isenção do IRPF não propriamente a aquisição de novo imóvel no prazo de 180 dias da venda, mas a aplicação ou utilização, nesse período, do recurso obtido com a venda de imóvel na compra de um imóvel residencial. Assim, o STJ entendeu ser ilegal a IN/SRF n° 599/2005, nos parágrafos 6º, 7º e 11, todos do art. 2º. Da decisão monocrática do MINISTRO SÉRGIO KUKINA[4], importante reproduzir, pela clareza, a seguinte parte:

“o verbo nuclear da hipótese de incidência prevista na norma isentiva não foi adquirir, mas sim aplicar na aquisição. Se o legislador quisesse normatizar como requisito da isenção a aquisição em si do novo imóvel, teria disposto que ‘o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato’, deveria adquirir novo imóvel. Mas não foi isso que o texto normativo previu. O caput do art. 39, expressamente, estabeleceu que ‘o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País’. E a diferença entre ‘adquirir’ e ‘aplicar na aquisição’, apesar de sutil, é de máxima relevância para a correta interpretação (literal) da norma isentiva veiculada no art. 39 da Lei nº 11.196/05.”

Portanto, o STJ declarou que a lei exige a aplicação do produto da venda em outros imóveis, o que abarca também o pagamento de dívidas contraídas para a compra de um imóvel residencial. Assim, foi admitido o benefício fiscal quando o imóvel é vendido para quitar o financiamento de outro imóvel adquirido anteriormente. Nesse sentido o acórdão proferido no REsp 1469478/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, da 2ª TURMA, DJe 19/12/2016. Essa interpretação do STJ foi mantida em outros acórdãos proferidos em 2018[5], tanto pela 1ª quanto pela 2ª Turma do STJ, que formam a Seção de Direito Público.

Em 2019, a 1ª Turma reafirmou o entendimento sobre a isenção em acórdão de 2019[6], cuja ementa é a seguinte:

TRIBUTÁRIO.  AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO.  GANHO DE CAPITAL. VENDA DE IMÓVEL RESIDENCIAL. ART. 39 DA LEI 11.196/2005. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

  1. É entendimento desta Corte Superior que a isenção do Imposto de Renda sobre o ganho de capital nas operações de alienação de imóvel prevista no art. 39 da Lei 11.196/2005 se aplica à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de  quitar,  total  ou parcialmente,   o   débito   remanescente  de  aquisição  de  imóvel residencial  já  possuído  pelo  alienante, sendo ilegal a restrição estabelecida  no  art.  2o.,  §  11 da IN-SRF 599/2005. Precedentes: REsp.  1.668.268/SP, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 13.3.2018; REsp. 1.726.884/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 21.11.2018.
  2. Agravo Interno da FAZENDA NACIONAL a que se nega provimento.

 

A Nota SEI nº 48/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF DA PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL

A Procuradoria da Fazenda Nacional – PFN, órgão responsável pela representação da União em juízo em causas que envolvem tributos, em agosto de 2018, expediu a Nota SEI nº 48/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF. Conforme a mencionada Nota, considerando o entendimento consolidado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a PFN propôs a seguinte inclusão na lista de temas com dispensa de contestação e recursos da PGFN:

1.22 – Imposto de Renda (IR) IRPF. Isenção prevista no art. 39 da Lei nº 11.196, de 2005. Venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante. Resumo: O STJ pacificou o entendimento no sentido de que a isenção do Imposto de Renda sobre o ganho de capital nas operações de alienação de imóvel, prevista no art. 39 da Lei nº 11.196, de 2005, aplica-se à hipótese de venda de imóvel residencial por pessoa física com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante. Reconheceu, portanto, a ilegalidade do art. 2º, §11, inciso I, da Instrução Normativa SRF nº 599, de 2005. Observação 1: a dispensa de impugnação em juízo deve abranger, igualmente, os casos em que se discute o reconhecimento da isenção quando o produto da venda do imóvel residencial é empregado na quitação ou amortização de imóvel residencial em construção ou planta (art. 2º, II, da IN nº 599, de 2005) adquirido anteriormente à alienação. Observação 2: tratando-se de mero terreno, sem comprovação da destinação residencial, tem-se afastada a regra isentiva (art. 2º, §11, II, da IN nº 599, de 2005), independentemente do momento em que se deu a aquisição, porquanto não satisfeito requisito exigido pelo art. 39 da Lei nº 11.196, de 2005, para fruição do benefício (aquisição de imóveis residenciais localizados no País) Precedentes: REsp 1668268/SP; REsp 1674187/SP; REsp 1469478/SC.[7]

Assim, não haverá debate judicial sobre a questão da aplicação da isenção do imposto de renda à venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, o débito remanescente de aquisição  de  imóvel residencial  já  possuído  pelo  alienante. O direto do contribuinte será reconhecido pela Procuradoria da Fazenda Nacional, em juízo.

 

CONCLUSÃO

Em conclusão, apesar de a Receita Federal entender, nos termos da IN/RFB 599/2005, pela inaplicabilidade da isenção  na hipótese de aquisição a prazo ou a prestação de imóvel residencial já possuído, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência uniforme no sentido de que a isenção do imposto de renda se aplica à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, o débito   remanescente  de  aquisição  de  imóvel residencial  já  possuído  pelo  alienante, conforme art. 39 da Lei nº 11.196/2005.

 

Não há questionamentos, no entanto, sobre a questão de que o benefício fiscal somente poder ser utilizado na venda de imóveis residenciais e desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição ou pagamento de imóveis residenciais localizados no Brasil, benefício que somente poderá ser usufruído pelo contribuinte uma vez a cada cinco anos.

 

 

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 11196/2005. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 8 jan. 2020.

 

PROCURADORIA Geral da Fazenda Nacional. Nota SEI nº 48/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF. Disponível em https://www.pgfn.gov.br/assuntos/legislacao-e-normas/documentos-portaria-502/nota-sei-48-2018.pdf. Acesso em: 5 mar. 2020.

 

RECEITA Federal do Brasil. Instrução Normativa – IN-SRF 599/2005. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=15526. Acesso em: 8 jan. 2020.

 

SUPERIOR Tribunal de Justiça. DECISÃO MONOCRÁTICA: RECURSO ESPECIAL Nº 1.451.303 – SC (2014/0098943-8) – RELATOR: MINISTRO SÉRGIO KUKINA – PUBLICAÇÃO: 02/08/2019

 

SUPERIOR Tribunal de Justiça. Decisão monocrática: recurso especial nº 1.451.303 – SC (2014/0098943-8) – Relator: Ministro Sérgio Kukina – Publicação: 02/08/2019

 

SUPERIOR Tribunal de Justiça. REsp 1668268/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, 1ª TURMA, DJe 22/03/2018; REsp 1674187/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, 2ª TURMA, DJe 26/02/2018º; REsp. 1.668.268/SP, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, 1ª TURMA, DJe 13.3.2018; bem como no REsp. 1.726.884/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª TURMA, DJe 21.11.2018.

 

SUPERIOR Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1612183/RS, publicado no DJe 10/05/2019, relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO.

 

[1] BRASIL. Lei nº 11196/2005. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 8 jan. 2020.

 

[2]  RECEITA Federal Do Brasil. Instrução Normativa – IN-SRF 599/2005. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=15526. Acesso em: 8 jan. 2020.

 

[3] SUPERIOR Tribunal de Justiça. DECISÃO MONOCRÁTICA: RECURSO ESPECIAL Nº 1.451.303 – SC (2014/0098943-8) – RELATOR: MINISTRO SÉRGIO KUKINA – PUBLICAÇÃO: 02/08/2019

 

[4] SUPERIOR Tribunal de Justiça. Decisão monocrática: recurso especial nº 1.451.303 – SC (2014/0098943-8) – Relator: Ministro Sérgio Kukina – Publicação: 02/08/2019

 

[5] SUPERIOR Tribunal de Justiça. REsp 1668268/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, 1ª TURMA, DJe 22/03/2018; REsp 1674187/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, 2ª TURMA, DJe 26/02/2018º; REsp. 1.668.268/SP, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, 1ª TURMA, DJe 13.3.2018; bem como no REsp. 1.726.884/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª TURMA, DJe 21.11.2018.

 

[6] SUPERIOR Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1612183/RS, publicado no DJe 10/05/2019, relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO.

 

[7] PROCURADORIA Geral da Fazenda Nacional. Nota SEI nº 48/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF. Disponível em https://www.pgfn.gov.br/assuntos/legislacao-e-normas/documentos-portaria-502/nota-sei-48-2018.pdf. Acesso em: 5 mar. 2020.

 

* Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Diretora do INDIC (INSTITUTO NACIONAL DE DIREITO E CULTURA). Professora e co-coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral na parceria INDIC-CEDIN.

** Vicente Eduardo Sanches Queiroz é graduado em contabilidade pela PUC MG e sócio da empresa Contaexata Contabilidade Especializada Ltda, fundada em 1992.

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