A Justiça Sem Papel

 

* Angelo Volpi Neto.

 

Dita alguns anos atrás a frase que abre este texto seria tida como uma piada, pois quem poderia imaginar que um dia, um dos mais conservadores e formais setores da economia viveriam sem papel. Mas o tempo passa e a lei 9.800/99 já está quase completando uma década e sua evolução pela lei 11.419/06 permitiram a realidade já vivida em vários tribunais do processo totalmente em suporte digital.

Sem dúvida a grande barreira ainda é cultural; preguiça, preconceito, desconhecimento e acomodação, têm sido os maiores inimigos desta maravilhosa revolução. O sentimento de posse e manipulação do papel ainda é atávico na atual geração de pessoas que compõem o universo processual. Até hoje ao nascer todos recebem uma certidão de nascimento em papel, bem como ao fazer a carteira de identidade ou comprar o primeiro imóvel.

O tempo da pena e das máquinas de escrever já vai longe, a evolução tecnológica já começa a sepultar até os aparelhos de fax, apontando para uma dominação predominante do documento digital. A nossa geração foi “premiada” por esta histórica e revolucionária migração, que colocará os reticentes totalmente fora do processo produtivo econômico.

Quem adentrar, por exemplo, no Fórum localizado no bairro da Nossa Senhora do Ó, na zona leste de São Paulo irá surpreender-se com o que consideramos um ícone destes tempos. Não existem as famosas prateleiras, os 34 funcionários foram exaustivamente treinados para operar os equipamentos de forma a dispensar os autos em papel no mesmo momento de sua entrega, digitalizando-os e devolvendo ao emissário. E obviamente está capacitado para receber, preferencialmente petições pela web.

Tribunais funcionam como qualquer outro tipo de prestador de serviços, e portanto têm seus processos de funcionamento, que podemos também chamar de “processos de negócio.” Uma lanchonete produz sanduíches através de processo produtivo, uma fábrica de geladeiras idem. Isto não é diferente no judiciário, apenas que seu “negócio” é exatamente processar processos.

Para fazê-lo com competência precisamos descrever e documentar todas as etapas, independentemente do tipo de negócio, todos os processos de execução possuem vários elementos comuns e o mais importante é justamente a documentação que mapeia as rotinas de trabalho. Chamados de manuais de processos, são eles que dão padronização e qualidade na prestação de um serviço, visto que descrevem os passos e elementos para a prestação de um serviço com eficiência.

Infelizmente a produção nunca foi priorizada dentro dos tribunais sob seus aspectos de trabalho e rotina. De maneira geral não há normas detalhadas e padronizadas entre cartórios, por exemplo, sendo que cada um age de acordo com o estabelecido pelo serventuário. E mesmo dentro de cada cartório muitas vezes não vemos sequer uma padronização para funcionários que trabalham na mesma rotina. No universo do papel isto vem sendo levado por muitos anos, ressalvadas raras exceções, tudo é feito de form instintiva e histórica – isso é feito assim há anos – e ninguém questiona porquê.

Assim sendo informais os processos de negócio não evoluem, atolados por um fluxo absurdo de serviço, e não estando devidamente descritos não há evolução nem desenvolvimento de novas práticas. Ninguém sabe se está realmente fazendo a coisa certa, o funcionário novo, não recebe um manual de procedimento contendo normas de gestão e procedimentos. Quando ele erra, não há como responsabilizá-lo pois não existe detalhamento suficiente sobre aquele procedimento.

O primeiro passo, portanto, para se ingressar no gerenciamento administrativo de processos digitais é mapear e documentar todas as rotinas e procedimentos. O erro no momento de arquivar um documento em papel pode ser corrigido após um “pente fino” nas prateleiras e gavetas. Já o arquivamento errado de um documento eletrônico, levará a um processo de localização bem mais complexo, além do que este ao contrário do papel pode “sumir” ou ser “desviado” com muito mais facilidade.

A sensação de “imaterialidade” do documento digital é totalmente cultural, não se arquiva documento digital no “ar”. No entanto, ao contrário do papel, não dominamos o arquivamento digital em todos os seus passos, dependemos de tecnologia e conseqüentemente de técnicos aptos a ajudar-nos.

Confiar em provedores de soluções e fabricantes de softwares é o segundo passo, o primeiro continua a ser a aculturação de funcionários e magistrados. Convencê-los de que não há alternativa – a não ser a aposentadoria – nos parece o único caminho, no momento, a ser trilhado.

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