Educação e Informação: a riqueza desconhecida

Ao ler o artigo do colega colunista Frank Wendel Chossani, não há como não engrossar o coro. A turma que esqueceu a educação comparece em cada serventia diariamente. Mas não só lá. Está em toda parte das terras nacionais.

A falta de bons modos parece se exacerbar a cada dia. E não é porque a lei ou as normas preveem o tratamento com urbanidade, que se deve tratar assim o usuário. Independentemente de religião, isso é um princípio moral que deveria estar presente na ética de um povo, na sua criação, na sua formação. Mas não vamos nos render a uma causa fatalista. Não há nada a ser feito para reverter esse quadro, que seja para as gerações futuras? Investiguemos então o que leva a este comportamento repudiável, seja nas serventias, seja na vida cotidiana.

Comecemos com uma das pistas: o brasileiro está cansado, para não dizer revoltado, de pagar tantos impostos. Dói ao contribuinte pagar imposto e saber do seu mau uso. Será que a maioria dos usuários de serviços de tabelionato e de registro sabe o que está pagando? Faça essa pesquisa e verá. Alguns creem estar pagando para o Estado. Outros creem que seu dinheiro vai diretamente para o bolso daquele cuja exigência de onipresença acabou de bradar e está a sua frente prestando uma orientação jurídica, gratuita, para que possa ter segurança no ato ou negócio jurídico que pretende praticar. Poucos sabem que as leis estaduais determinam as custas a serem recolhidas. Em São Paulo, à guisa de exemplo, parte da arrecadação é destinada à Fazenda Estadual, parte ao IPESP – Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo, ao Tribunal de Justiça, ao Sinoreg (para formação do Fundo do Registro Civil, subsidiando as Serventias deficitárias), e à Santa Casa. Outro dia, um usuário ao receber a explicação, indagou: Estou pagando Santa Casa? Aquele hospital da cidade? (logicamente proferida com um adjetivo desqualificador). Falamos só de custas, mas há também Imposto sobre a Renda, INSS sobre salários, ISS, enfim, como todo brasileiro sabe, impostos e mais impostos. Só não sabem quando pagam, nem o que pagam, nem pra que pagam. Tampouco se sabe cobrar o bom uso desse dinheiro, mas isso é outra parte da história…

O que traz um sentimento de tristeza e desesperança é perceber que a falta de informação não se restringe ao pagamento de impostos. Ela é onipresente. O brasileiro não foi educado para buscar informação. Tanto os governos, quanto os responsáveis, em qualquer nível, não se preocupam em fornecer informação. Quem sabe de verdade o que é uma Serventia Extrajudicial? Ok, não vamos dificultar, vamos ao jargão popular: quem sabe o que é um “cartório”? Sim, nos “cartórios” expressão que carrega uma pecha e uma incorreção técnica[1].

 

Quando assumi a Serventia por outorga decorrente de concurso público, ouvi diversas congratulações, na seguinte linha: ‘Parabéns pela aquisição! Custa muito caro? E o retorno?’ Os “impropérios” vieram de pessoas próximas, as quais eu não qualificaria como pessoas sem acesso a educação. Informação? Ah, sim, onde está essa informação? Será que os usuários, aqueles leem diariamente a Constituição Federal, já chegaram ao artigo 236? No país da proliferação legislativa, conhecido internacionalmente por ser uma torre de babel jurídica, será que a Lei 8.935/94 é estudada nas universidades de direito ao menos? Recente e incipientemente, graças a poucos heróis que quebram barreiras para o ensino do direito notarial nas faculdades. Mas quem sabe que notário ou registrador é uma profissão?

Quanto à divulgação dos serviços notariais, incumbe apenas aos notários ou as suas associações – (que por sinal, são impedidos de fazer propaganda)? Ou se trata de um serviço de interesse público e, portanto, de interesse da sociedade, que os usuários sejam bem esclarecidos do que é uma Serventia Extrajudicial, quais serviços prestam, porque o utente tem que ir lá gastar seu dinheiro, e o que recebe em troca?  

Não estou a falar dos mais desfavorecidos apenas. A exceção daqueles que lidam com o assunto diariamente – para quem, o que falo parece óbvio – ao restante dos 99,99% não é. Fora do pequeno mundo jurídico – e ainda dentro dele, devido à especialização das funções e à especificidade da matéria notarial, encontram-se raríssimas exceções no meio – poucos têm acesso a informações jurídicas relevantes para a sociedade. Por que se autentica uma cópia? Porque alguém requereu? Requereu por que e para quê? O órgão ou pessoa que requereu sabe o motivo desta solicitação? E o requerido, sabe? Ora, se não sabe a razão, não dá valor. Ao contrário, revolta-se, pois teve que gastar seu dinheiro. E então rotula de “burocracia desnecessária”, de “país de cultura cartorial”, remetendo-se à época colonial, nas quais os títulos e profissões eram concedidos como favores reais ou até negociados[2]. Na mesma linha, quem já não ouviu a brilhante frase: “O mercado não quer segurança jurídica, quer agilidade”. Bem sabem os operadores de mercado o que acontece quando falta segurança jurídica!

A lição é antiga, mas deve ser sempre relembrada. É preciso distinguir o simples do simplório. O mestre Vicente Amadei, há dezesseis anos, quando escrevia sobre o formalismo jurídico e em resposta àqueles que pretendiam a extinção dos serviços de protesto, dizia ser necessário “oxigenar a consciência jurídica” com as seguintes palavras do filósofo pré-Socrático Demócrito de Abdera: “não em todos, mas apenas nos dignos de fé, deve-se confiar; uma coisa é própria do simplório, a outra do sábio”. E concluía: “Dispensar solenidade e fé pública […], afogando a segurança jurídica formal na vida cambiária, é coisa de simplório, não de sábio” [3].

Simplório é querer entender os serviços notariais e registrais como burocracia. Simplório é querer dispensar um reconhecimento de firma, onde a segurança jurídica de sua confirmação é primordial. Simplório é querer comparar nosso sistema com o inglês e dizer que lá tudo funciona bem. Ou seja, basta alterar todo sistema jurídico para o “common-law”, rasgar a constituição e alterar o regime de governo para parlamentarista. Simplório é queimar etapas para se chegar rapidamente a qualquer resultado sem qualidade, ao invés de se estudar o que realmente atravanca os processos. Simplório é não saber o que significa fé-pública e qual seu valor para a sociedade. De outro lado, factível e necessário é buscar a celeridade e a simplificação de procedimentos, sem abrir mão de sua segurança. É aplicar a fé-pública da forma condizente com as necessidades sociais e dos tempos, por meio das ferramentas disponíveis. Tomem-se como exemplo as mudanças recém-ocorridas na área notarial e registral, tais como: selo eletrônico, registros eletrônicos, autenticações digitais, materialização e desmaterialização de documentos, penhoras on-line, certidões digitais, e outras infinidades de avanços condizentes com a era da informação instantânea e virtual, já promovidos no sistema notarial e registral brasileiros e em crescente evolução, e que devem ser cada vez mais aprimorados.

Parece ser ínsita a natureza de um povo que não tem acesso à informação, tampouco a cultura de buscá-la, de optar pelo simplório. O simples é a opção dos sábios. O simplório não é a escolha de pessoas simples: é a opção das pessoas desinformadas.

 



[1] Como relata com propriedade Moacyr Petrocelli: “Frise-se, entrementes, que apesar da hodierna impropriedade técnica da referência à atividade notarial e registral, a expressão cartório continua sendo empregada no dia-a-dia tanto pelos leigos, como pelos operadores do direito, até por tradição de assim se referir à atividade extrajudicial. Sem dúvida, a utilização dessa expressão é uma reminiscência histórica difícil de ser deixada para trás no Brasil. Todavia, cientificamente, como demonstrado, o correto seria o desapego desta terminologia”. Artigo “Cartório: Uma Questão de Terminologia” discorre sobre a origem da palavra “cartório”. Publicado neste blog em 20/6/14, de autoria de Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro.

[2] BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 4ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 62-63.

[3] AMADEI, Vicente de Abreu. Princípios de protesto de títulos. In: DIP, Ricardo (coord.). Introdução do direito notarial e registral. Porto Alegre: Fabris, 2004, p. 109.

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  1. Fabrício Miguel Nogueira disse:

    O texto (bem como o de sua origem) é direto e “direito”. Infelizmente educação (formal e a que se “traz de casa”, talvez essa ainda mais importante) e informação não estão nos dias atuais nas prioridades de quem deveria nos representar. Partindo da educação básica até o constrangedor recorde de faculdades de Direito (nosso país tem mais do que todo o resto do planeta junto – algumas visivelmente caça-níqueis), o que se observa é algo aterrador: o volume de pessoas e as estatísticas são mais importantes que o que se ensina. E, assim, reflete-se isso na falta de conhecimento da nossa atividade, por consequência.

    Não sabemos onde estão indo rios de dinheiro (quase 2 TRILHÕES de reais) que se arrecadam com tributos de todas as espécies, todavia sabemos que existem. Mas não parece ser imediata a necessidade de saber, pois, como George Orwell nos mostrou em seu “1984” a manutenção do poder requer que se mantenha o estado de terror constante, e este amansado por comida ruim, bebida ruim e livros ruins.

    Seja como for, acho que estou sendo ranzinza demais, mas não posso deixar de verificar a falta de conhecimento que grassa a educação superior sobre o assunto. Finalizei o curso de Direito no final de 2013 e o que se fala de “cartórios” em sala de aula, desde o primeiro dia, é de um absurdo que somente se explica na falta de uma maior inserção acadêmica da nossa atividade, ou por ignorância mesmo.

    É complicado ver que se fala: não tem cartórios nos Estados Unidos e tudo funciona bem por lá; não precisamos de um registro caro e burocrático, só em nosso país mesmo; pra que escrituras se devo registrá-las depois, ela não vale nada?… E daí em diante, pra pior. Bom, se a crise das hipotecas nos “States” não diz algo para essas pessoas, a mim diz que o sistema é falho, não tem segurança e caro (os seguros imobiliários não são pechincha naquelas paragens, porém o “registro”…), e quase levou o mundo a roldão, inclusive nosso Brasil brasileiro.

    Como uma pessoa que já esteve do outro lado do balcão, lhes digo: arrependo-me dos pensamentos que tive anteriormente e que muitas pessoas ainda possuem. Desde 2006 (quando iniciei na atividade) até hoje, me sinto indignado pelo não conhecimento sobre o que faço, de sua importância.

    Espero apenas que o sol de nossas paragens não diminua a vontade de acabar com a indignação com livros ruins, comida ruim, bebida ruim e educação pior.

    Desculpe o “Internetês”, mas acho que eramsó20centavosmsm.

  2. Sabrina disse:

    De fato – e digo de fato mesmo – em consequência a todo o exposto, dissecando sobre a falta de informação e educação desse nosso povo-povão-povoadíssimo, ditos brasileiros da Pátria amada, além de suas variáveis elementares que levam o mesmo a crer que toda a estrutura do Estado é burocrática demais, corrupta demais, suja demais-is-is-s-s-s (desculpem-me, mas a longa frase demonstra toda a minha açodada e ofegante inquietação), é indelével, pelo menos até o momento, o cenário no qual os brasileiros já não se importam com sua posição política dentro da sociedade. Amedronta-me essa falta de prestígio e, o mais interessante, é que esse déficit floresce de grupos sociais que possuem determinado grau de educação, conhecimento, influência e adjetivos mais que couberem por analogia.
    Contudo, absurdo maior ainda, é ter que ouvir durante a aula de contratos, de uma pessoa doutoranda e professora de universidade, que “o cartório não quer saber se o seu negócio vai gerar algum “efeito negativo” na sua vida lá na frente. O cartório só que saber de ganhar dinheiro”. Ouvir isso me deu a sensação de defenestração total! Que infelicidade!
    Enfim, a nós, da galáxia notarial e registral, resta em continuarmos a prestar um serviço eficiente e seguro e, de certa forma, espero de corpo e alma que a falta de informação da sociedade brasileira não seja uma aleivosia eterna para com nossos serviços.

  3. Frank Wendel Chossani disse:

    Prezado colega Milton, quero agradecer pelo prestígio! Como sempre, excelente artigo! Abraço.

  4. Milton disse:

    Caro Frank,
    Seus artigos sao sempre inspiradores! Basta ler um deles e da vontade de sair escrevendo! Parabens pela qualidade. Abracos

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