O LOBO E AS OVELHAS – DE MEZZARI

Permito-me ir um pouco ao sol com chapéu alheio – os óculos de sombra são meus – porque não resisti ao brilho intenso do texto de Mário Pazutti Mezzari, que dispensa apresentação (está bem, está bem, é o avô da Carolina), divulgando aqui o artigo pelo qual o autor conclama a união da classe, inclusive aqueles que não foram (ainda) atingidos pela terrível ameaça do Conselho Nacional de Justiça, ao declarar a vacância de mais de 1/3 dos serviços notariais e de registros – mesmo que em sua avassaladora maioria estejam legalmente providos por concursos públicos, efetivados pelos Tribunais de Justiça dos diversos Estados.

Quem sabe, finalmente, a categoria ouça o grito do Carlos Luiz Poisl, que por anos vem pregando a criação de um Conselho Federal, forte, e parta para a luta na busca do objetivo.

Mas, deixemos que o próprio Mezzari nos conte a fábula, com peculiar sabedoria.

O LOBO E AS OVELHAS

Meu pai gostava de ler, especialmente se fossem livros que contassem as histórias e os feitos da gente farroupilha. Sua biblioteca não era muito grande mas era bastante variada. Desde tenra idade pude ler praticamente todos os livros de Machado de Assis e, como não podia deixar de ser, apaixonei-me pelos olhos dissimulados de Capitu.

Mas a leitura de livros “grandes” nem sempre era encorajadora para o menino que tinha pressa, muito embora não soubesse aonde ir nem o que exatamente queria fazer.

Por isso, uma coleção de livros atraiu minha atenção em especial: o Tesouro da Juventude. A obra foi editada no início dos anos 60 e nenhum assunto era tratado por mais do que 4 ou 5 páginas. Isso sim, cabia direitinho dentro da minha pressa.

Foi no Tesouro da Juventude que conheci Esopo, La Fontaine, os Irmãos Grimm. Até hoje este tipo de literatura é catalogada como juvenil, mas sei de muita gente grande que precisa urgentemente aprender com a sabedoria das crianças.

Uma das fábulas que mais me impressionou e que ficou indelevelmente marcada na minha mente é O Lobo e as Ovelhas. Conta Esopo que um determinado e sinistro lobo estava com fome e queria comer uma ovelha. Estas, pressentindo as más-intenções do vilão, uniam-se, formavam um círculo fechado como carroças de colonos de Faroeste. A cada tentativa do lobo em abocanhar uma das presas, as outras davam-lhe cabeçadas, coices, mordidas e conseguiam afastar o perigo. O lobo, que não era bobo, decidiu por uma nova tática: dividir para vencer. Assim foi que chegou-se ao rebanho de ovelhas, todas em sólida formação de defesa, e disse que não entendia o porquê de elas estarem assim tão na defensiva, que ele não queria matar todas, apenas queria aquela ovelha velha que sempre atrapalhava o rebanho em seus constantes deslocamentos em busca de novos pastos. Só a velha, afirmava o lobo, e eu deixo vocês em paz. As ovelhas, que eram burras, entregaram a velha. A paz durou pouco. Uma semana depois o lobo voltou, as ovelhas tornaram a cerrar fileiras, e ele espertamente começou com lisonjas, dizendo como eram bonitas as ovelhas, suas lãs brancas como nuvens de verão, mas… que pena que tinha uma delas tão feia, até com defeito numa das patas. E tanto falou que as ovelhas lhe entregaram a feia. Novamente a paz durou pouco, e foi então a vez da ovelha doentinha, depois da ovelha nega, da mais baixa, da mais alta, da mais magra, da mais gorda … até que todas foram comidas.

Eu tive oportunidade de contar esta fábula quando começaram as gratuidades do Registro Civil. Eu voltei a contar esta fábula quando os instrumentos particulares vieram ocupar o lugar das escrituras notariais, quando ameaçaram repassar os protestos de títulos para os bancos, quando a alienação fiduciária de automóveis escapuliu dos registros de títulos e documentos. A reação era sempre ovina, a coisa não era conosco, ou seja, não era com o grupo, era apenas problema de um ou de outro. O lobo já bateu às portas do Registro de Imóveis, já levou algumas ovelhas. Agora o lobo está comendo metade do rebanho. E a outra metade, ovinamente, continua a achar que o problema não é com ela.

Para quem pensa que tudo isso é história de criança, lembro que Jesus falava através de provérbios, que pouca coisa diferem das fábulas, a não ser que os personagens usados por Cristo eram pessoas e as fábulas trabalham com bichos, árvores e … homens.

Tenham certeza, colegas: o problema não é “deles”; o problema é nosso!

Agosto de 2010

Mario Pazutti Mezzari

Registrador de Imóveis de Pelotas (RS)

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