Sobre testamentos, imprensa e misticismo

 

Sobre testamentos, imprensa e misticismo

 

Aqui em Campinas circula um jornal popular de grande tiragem denominado Diário do Povo, nele publicamos – eu os demais oficiais de Registro Civil da Cidade – os Editais de Casamento, conforme a lei nos obriga a fazer. A edição do dia 16 de junho de 2010, além dos Proclamas, trouxe uma notícia sobre o testamento do cantor Michael Jackson, falecido recentemente e ainda uma página dedicada a horóscopo e coisas do gênero: Seção Alto Astral. Sobre editais de casamento não há muito a dizer (talvez fosse interessante fazer uma crítica por ainda existirem, mas aqui não será feito) mas as outras matérias despertaram neste autor o desejo de escrever sobre um tema que a muitos desagrada mas a todos interessa, pois é fato que deste tema amargo, não se pode escapar: a morte e as disposições pessoais sobre ela.

A seção Alto-Astral daquele periódico campineiro indicou a carta do dia, escolhida do baralho de tarô:  a morte. Este tabelião assim como,  provavelmente, a maioria dos (efetivamente poucos) leitores deste escrevinhador, quase nade sabe acerca deste jogo místico e mágico que se chama tarô.

Mas o fato é que a tal “carta do dia”, denominada “morte”, reproduzida em cores e no tamanho normal de uma carta de baralho, em si mesma, é perturbadora, e, inteligentemente foi acompanhada do texto a seguir reproduzido: A carta de hoje é A MORTE. O aprendizado da vida é feito por meio das experiências que temos, vivemos e passamos. É necessário coragem. Por pior que pareça a dificuldade, tenha certeza de que pode supera-la com persistência e força. (Silvia Helena Francisco – altoastral@rac.com.br – Diário do Povo, Campinas, 01/06/2010. P.11)

Dado o crédito à autora do texto, entende cabível este autor, a realização de um comentário, algo irônico, mas inquestionavelmente verdadeiro: a única dificuldade da vida que não se pode superar é a própria morte. Entretanto, na medida em que frases dolorosas e cruamente verdadeiras não podem ter lugar em uma página dedicada ao misticismo, horóscopo, recado dos anjos etc., portanto, não se pode negar, o texto escrito, coerente e elegante, combina-se muito bem com o contexto daquela seção denominada Alto Astral.

O que chamou a atenção deste escritor não foi, efetivamente, o texto reproduzido, mas a carta em si. A imagem é perturbadora e tocante. Ali se reproduz algumas cabeças cortadas (quiçá, de um rei e de uma rainha, pois ainda estão adornadas com uma coroa), mãos, pés e ossos humano espalhados pelo chão, tudo ao redor de uma figura central, semi-humana, armada com um alfange (uma foice de cabo longo e lâmina curva) manchada com o sangue de suas vítimas.

Assustador, mas inegavelmente verdadeiro. A morte desagrega e atinge a todos, mesmo os ricos e poderosos.

Comentada a carta do tarô e a figura da morte, chega-se, enfim, ao astro internacional da música, o norte-americano Michael Jackson. Este, de fato, é assunto que de alguma forma se relaciona com esta página eletrônica mantida por uma entidade de classe dos notários do Brasil; trata-se de comentar o testamento deixado pelo Rei do Pop.

Até onde se sabe, o astro da música, recentemente falecido, estava bem de saúde e ainda em boa fase profissional. Era rico e muito provavelmente não imaginava que a morte o alcançaria aos 40 e poucos anos de idade, deixando três filhos ainda crianças, o mais velho com apenas 13 anos de idade. Entretanto, diferentemente do que ocorre em nossos trópicos, ele, prudentemente deixou testamento formalmente válido e eficaz (segundo relata o citado noticioso) e com algumas disposições curiosas.

Seus três filhos dividirão entre si apenas 40% do patrimônio, mas apenas quando completarem 30 anos de idade. Do total da herança 20% deverão ser doados para caridade (para caridade?…!!). Os 40% restantes ficarão para a mãe do cantor, mas com alguma cláusula suspensiva que não é informada naquela matéria jornalística. Katherim (a mãe de Michael), efetivamente, não receberia imediatamente sua parte na fortuna, mas para cuidar dos filhos do cantor ela passará a receber uma quantia mensal de 81.000 dólares.

As disposições testamentárias de Michael Jackson se completam com a ausência significativa de qualquer legado para o pai, irmãos e para as ex-mulheres, Debbie, Rowe e Lisa Maria Presley (sobrenome familiar? – de fato, Lisa é filha do igualmente cantor Elvis Presley).

Muito interessantes tais disposições, mas o fato é que em nosso direito elas seriam rejeitadas e a justiça, conforme determinação expressa de nossa lei, haveria de ordenar algumas alterações.

A redução testamentária haveria de atingir, reduzindo proporcionalmente, a parte destinada à caridade e à genitora, aumentando até a metade do total a parte dos filhos, herdeiros necessários, a quem nossa lei garante o mínimo de 50% da herança e muito provavelmente ainda haveria de permitir o acesso aos bens, ainda antes daquela idade de 30 anos, estipulada pelo testador.

No Brasil é preciso existir algum motivo para o testador gravar de qualquer maneira a herança legítima, ou seja, os 50% que serão destinados aos herdeiros necessários, no caso, os filhos.

A edição n° 2162 da Revista Veja (28/04/2010) destaca, em sua página 108, parte da matéria de capa da edição – Ajuda para morrer – que  nos EUA a legislação, diferentemente do que ocorre por aqui, consagra integralmente a vontade da pessoa sobre o destino de seus bens e de seu próprio corpo.

Aquela consagrada revista semanal cita o caso da ex-primeira dama, Jacqueline Kennedy Onassis que, em vida, fez mais do legar em testamento seus bens materiais. Ela, ainda lúcida e capaz utilizou-se de um dispositivo conhecido por testamento em vida (living will) para dispor sobre como desejava passar seus últimos dias de vida, pois era vítima de um câncer incurável e encontrava-se já em estado terminal; ou seja, Jackie dispôs sobre como queria morrer e definiu que isso não seria em um hospital, onde artificialmente poderia ainda ser mantida em vida vegetativa; ela preferiu morrer em sua casa, na companhia da família.

 A morte, em 19 de maio de 1994, daquela que parece ter sido a mais famosa primeira dama de toda a história dos EUA (com exceção, talvez, da atual Secretária de Estado, a beligerante, Hilary Clinton) popularizou ainda mais o instituto naquele país. A Veja informa que há três anos, 40% dos americanos declaravam ter assinado o seu testamento.

Conforme indica a matéria publicada naquela revista da Ed. Abril., a presença e intervenção do notário é dispensável para se fazer um testamento válido nos EUA. Naquele país, basta a pessoa fazer seu testamento na presença de duas testemunhas para que sua disposição de vontade tenha força de lei.

Antes de encerrar o assunto, uma observação importante merece ser feita. Não se pode concluir que a legislação brasileira, ao exigir a formalidade maior para a realização de testamento válido – a intervenção do tabelião, aqui, é necessária – seja a única responsável pelo menor uso do instrumento em nosso país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, trata-se mesmo de uma questão cultural. Não gostamos de tratar do assunto morte, comodamente preferimos deixar isso para depois.

Considere-se, como prova da veracidade do que afirma este autor, o caso do CODICILO, instrumento simples, célere e econômico, que prescinde de qualquer intervenção tabelioa, que é válido e encontra-se, há décadas, expressamente previsto em nossa Lei, mas que ainda hoje não é nem um pouco comum de ser feito.  

 

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  1. J. Hildor disse:

    O articulista está mesmo de morte, neste texto místico, exercendo a futurologia, tanto que já na terceira linha da carta antecipa a edição do Diário do Povo de 16 de junho de 2010 (note-se que o post é de 04 de junho de 2010).
    É evidente: para não fugir ao tema, astral em alta, ao som de M. Jackson.

  2. J. Hildor disse:

    O articulista está mesmo de morte, neste texto místico, exercendo a futurologia, tanto que já na terceira linha da carta antecipa a edição do Diário do Povo de 16 de junho de 2010 (note-se que o post é de 04 de junho de 2010).
    É evidente: para não fugir ao tema, astral em alta, ao som de M. Jackson.

  3. Marco Antonio disse:

    Em atenção ao sempre generoso, Hildor, faço a correção necessária: a edição do jornal é do dia primeiro de junho – 1 de 6 – um erro de transposição do papel para o digital.
    Por incrível que pareça, neste caso particular, primeiramente fiz um raschunho em papel e somente depois digitei o texto. Estava sem um computador à mão no momento em que decidi escrever. De fato, aos finais de semana, por imposição familiar, tenho evitado o uso (ou abuso) desta máquina que nos vicia e domina.
    Abs.
    Marco

  4. Marco Antonio disse:

    Em atenção ao sempre generoso, Hildor, faço a correção necessária: a edição do jornal é do dia primeiro de junho – 1 de 6 – um erro de transposição do papel para o digital.
    Por incrível que pareça, neste caso particular, primeiramente fiz um raschunho em papel e somente depois digitei o texto. Estava sem um computador à mão no momento em que decidi escrever. De fato, aos finais de semana, por imposição familiar, tenho evitado o uso (ou abuso) desta máquina que nos vicia e domina.
    Abs.
    Marco

  5. Amanda Beatriz Barbosa da silva disse:

    Oi meu nome e Amanda Beatriz Barbosa da Silva

    Data nasc 11/01/97
    .
    Gostaria de saber porque não tenho sorte no amor e nem no trabalho

  6. Amanda Beatriz Barbosa da silva disse:

    Oi meu nome e Amanda Beatriz Barbosa da Silva

    Data nasc 11/01/97
    .
    Gostaria de saber porque não tenho sorte no amor e nem no trabalho

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