Usufruto. Notas práticas

Complexidade do instituto

O Registro de Imóveis, por si só, é demasiadamente complexo. E quando se confrontam dispositivos do Código Civil atinentes ao usufruto e da LRP alusivos ao Registro Imobiliário, o nível de dificuldade do intérprete aumenta exponencialmente.

O fato é que as Faculdades de Direito ensinam um direito civil não funcional, como sabiamente alerta o Professor e Magistrado Vitor Frederico Kümpel. No momento de operar o sistema, problemas transbordam.

Rememorando o conceito

O usufruto é o direito real mais complexo. Em sede de usufruto, ocorre o desmembramento dos poderes do dominio, tanto é que o art 1.394 do Código Civil pontifica que o usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.

Trata-se, portanto, de direito real (art. 1.225, IV), cujas características marcantes são a temporariedade, uma vez que se extingue com a morte do usufrutuário (art. 1.410), e a inalienabilidade (art. 1393). Surge por meio de lei, usucapião, ato voluntário (contrato ou testamento) ou mediante sentença.

Quando recai sobre coisa fungível ou consumível, denomina-se usufruto impróprio, ou quase-usufruto.

É possível entabular um contrato de usufruto ou, na maioria das vezes, uma escritura pública de doação com reserva de uso e fruição.

O usufruto foi desenvolvido, na técnica do Código Civil, para efetivar-se por meio de contrato (contrato de usufruto), assim como ocorre com um contrato de compra e venda ou de direito de superfície ou de servidão predial. Mas, no mundo real, ningúem concede usufruto para terceiro. O que costumeiramente concretiza-se é o usufruto deducto (doação com reserva de usufruto).

O usufruto em nosso sistema é uma cláusula, é acessório de um contrato de doação.

Se se questiona a natureza juridica do instituto, o cenário periga, não há unanimidade.

Caso o usufruto decorra de bem imovel, quando surge o direito real? Via de regra, por meio do registro no Registro de Imóveis. “O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis" (art. 1.391).

Mas há exceções: a) usucapião (art. 1.391, que inadvertidamente esqueceu do usufruto de direito de familia); b) direito de familia (art. 167, I, item 7, da Lei 6.015/1973: “do usufruto e do uso sobre imóveis e da habitação, quando não resultarem do direito de família”.

Usufruto, uso e habitação são direitos reais classicamente denominados de “servidões pessoais”, por servirem a uma pessoa. Tais servidões “têm como objeto o uso e gozo limitado de uma coisa alheia, móvel ou imóvel, subordinada a uma pessoa, e não a outra coisa. Usufruto é direito real de uso e gozo temporário dos frutos de uma coisa, sem alteração de sua substância”, na lição de Regnoberto Marques de Melo Jr.

A extinção das servidões pessoais exige cancelamento no Cartório de Registro de Imóveis para sua validade, por força do art. 1.410.

O preceito da LRP mencionado destaca o ônus registral necessário à constituição dessas servidões pessoais convencionais, quando tenham como objeto bem imóvel. As servidões pessoais instituídas por força de lei, embora possam ter como objeto bem imóvel, estão dispensadas do ônus registral em virtude da especialidade da norma da LRP.

Mas há outras exceções quanto à origem do usufruto.

Cada bem móvel, por exemplo, tem que ser analisado separadamente. No caso dos bens móveis em geral, o usufruto é gestado em um Cartório de Registro de Títulos e Documentos. A posse é outorgada ao usufrutuário. Faz-se o registro no domicilio do usufrutuário e a posse, em seguida, é-lhe concedida. Se se cuida de automóvel, o documento de transferência deve ser assentado no órgão executivo de trânsito; se for o caso de ações, deve ser levado a registro no livro respectivo para que a transferência gere efeito.

Direito real  personalíssimo

O usufruto é direito real personalíssimo, relativamente ao usufrutuário. De conseguinte, é também inalienável.

A teor do art. 1.393, não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.

O dispositivo admite três interpretações: a) a cessão dos direitos de fruição não tem acesso ao sistema registral; b) por meio da alienação conjunta (consolidação), proprietário e usufrutuário alienam para um terceiro; c) possibilidade de o usufrutuário renunciar para o proprietário.

Mas pode o usufrutuário alienar um terceiro, diretamente? Tecnicamente, deveria o primeiro renunciar ao usufruto em favor deste último, a fim de possibilitar a alienação do bem para terceiro. Na prática, proprietário e o usufrutuário alienam seus direitos, no mesmo ato, nascendo, assim, a consolidação em favor de terceiro.

Continua…
 

 

 

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EXIBINDO 0 COMENTÁRIOS

  1. Rebeka Batista disse:

    Onde vejo a continuação do artigo?

  2. Lafaiete Luiz disse:

    Cara Rebeka, no rodapé da página do blog, vc encontra os links para as demais páginas do blog. A continuação está na pág. 4. Aqui o link: http://www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=224
    Abs.

  3. Itamar Gagliardi Jr disse:

    Para ações, nos casos de usufruto deducto ou instituído/constituído, há previsão legal requerendo o registro em Cartório de Títulos e Documentos? Qual seria a lei / artigo?

  4. Antonisio Nunes Vieira disse:

    Lafaiete, se um usufruto é concedido através de um contrato, por exemplo A faz um contrato no qual sede o usufruto de uma casa a B, por toda a vida de B, mas B não faz a averbação deste contrato na matrícula da casa. Qual o efeito prático disso? Se A se arrepender vai poder cobrar aluguel nesse período? E qual sua opinião sobre o rol do art. 1410 que prevê as situações nas quais se extingue o usufruto? É rol taxativo ou exemplificativo? Poderia aplicar por analogia as causas de revogação da doação? Obrigado.

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