ALEDAPLAPA NELES

Certa feita, quando eu era menino em Cerro Branco e parece que foi ontem, quase cem anos atrás, chegou-me às mãos um gibi que contava uma historinha sobre um povo de fala ao contrário, para quem a maior desgraça era levar uma aledaplapa, e o pior é que havia um rodaplapa anônimo atacando nádegas distraídas, invadindo território alheio, sem pudor algum.

À noite, quando todos dormiam, uma figura sinistra rondava em busca de vítimas desatentas, até que lá por altas madrugadas o silêncio era quebrado por um grito alarmante, penoso, pungente…

Fui aledaplapada!… Fui aledaplapada!…

O apalpador tinha atacado.

Uma moça que fosse apalpada não conseguiria se casar nunca mais, porque uma apalpadela era quase um estupro, ou no mínimo um desvirginamento, considerando a desonra que isto pudesse significar cem anos atrás.

Um homem apalpado perdia para sempre a dignidade, e nunca mais teria coragem de sair à rua, porque varão no qual fosse passada uma mão na bunda era como se fosse uma varoa, ou uma virago, neste caso, considerando a vergonha que isto pudesse significar para um macho, cem anos atrás.

Não lembro nem a metade da história, que a memória dos velhos é falha, mas o final era surpreendente. Finalmente capturado o desordeiro, foi ele condenado ao máximo castigo do país, muito pior que o enforcamento, que se aplicava às transgressões de menor porte, e o crime de praticar apalpadelas não era um delito qualquer.

A sentença prolatada pelo juiz foi quase raivosa:

Cem aledaplapadas!

O carrasco oficial foi destacado para a aplicação da pena, em praça pública, diante da turba enfurecida. Afinal de contas, o que aqui se faz, aqui se paga, seja na mesma moeda ou não. Ou ainda, quem com ferro fere, com ferro será ferido. E para os amantes do latim, dura lex, sed lex.

Pois tenho lido agora, ainda antes de fechar cem anos, outras historinhas de aterrorizar, envolvendo alguns tabeliães de notas de agir contrário, de absoluto desrespeito às normas, à ética notarial, aos colegas de profissão, que praticam atos nulos, fora da circunscrição onde são delegados.

Parece que desconhecem a Lei 8.935/94 – Lei dos Notários e Registradores, em especial o artigo 9º, verbis: “O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação”.
 
O tabelião aposentado Carlos Luiz Poisl tem pregado insistentemente no deserto: "Se o tabelião não salvar o notariado brasileiro, ninguém mais o fará", ensina. Mas ao contrário do que apregoa, os próprios tabeliães têm se encarregado do suicídio.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou, em 27/05/2009, o Projeto de Lei 1362 /03, do deputado Leo Alcântara (PR-CE), que anula o efeito jurídico do ato de tabelião de notas que tiver praticado o ofício fora do município para o qual recebeu delegação. Pelo texto aprovado, o tabelião infrator terá que devolver, em dobro, o valor dos emolumentos – remuneração paga pelos serviços do cartório. Extraído de: Câmara dos Deputados  –  01 de Junho de 2009.

Ora, devolver em dobro o valor dos emolumentos é pouco mais que pagar na mesma moeda. O que merecem mesmo estes apalpadores disfarçados, estes invasores de território alheio, sem pudor nenhum, é muito mais que uma simples multa.

Merecem no mínimo duzentas aledaplapadas!

 

 

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  1. FLAVIO FISCHER disse:

    Excelente texto amigo Hildor. A ética parece ser, na visão de muitos colegas, similar à história da música em que a garota, supostamente virgem, confessa: mamãe, estou ligeiramente grávida… – ou está, ou não está… ou sou ético, especialmente em relação aos colegas, e sempre, ou NÃO SOU…. as pequenas concessões, as pequenas vantagens vão contaminando a prática notarial… e aí, só mesmo com muitas ALEDAPLAPA NELES….

  2. Carlos Luiz Poisl disse:

    Indo bem ao fundo da questão, a causa de todo esse desmantelo arruinador do notariado é bem mais aterrorizante do que a historia do Hildor. É o sistema que permite o acesso à função notarial de pessoas que não estão preparadas para tanto, nem intelectual e nem moralmente. Elas são as menos culpadas. Em geral não sabem o que é ser tabelião, qual a sua real missão na socedade. Elas não sabem que devem ter um comportamento exemplar, ante os seus clientes, os seus colegas e em toda a sua comunidade, para merecerem o respeito de todos e a ilimitada confiança de todos. Elas não sabem que o tabelião deve ser o fiador da verdade que ele consagra com a sua fé pública notarial. Se mentem, falseando no ato notarial o lugar em que o praticou, se fazem do seu tabelionato um mercadinho comercial ao invés de um gabinete ao qual as pessoas honestas acorrem em busca de socorro contra as falsidades e de solução conciliatoria ou jurídica para os seus problemas familiares ou de negocios, então elas não são tabeliães de verdade. São pseudo tabeliães que enodoam a classe e dela deveriam ser expurgadas. Mas o aspecto terrificante (ou surrealista, como diria o Angelo Volpi) é jusamnte este: se elas não têm culpa por terem chegado a ser tabeliães, podem ser punidas?

  3. Mario Mezzari disse:

    Este texto tem o sabor de uma fábula, com lição de moral e tudo. Eu, como apreciador (desde pequeno) de Esopo, Irmãos Grimm e La Fontaine, fico feliz em ser amigo do autor, que é mais amigo ainda do meu filho Marcel, ambos ex-fumantes inveterados.
    E fico chateado, para dizer o mínimo, quando vejo estas “pequenas concessões” a que se permitem alguns pseudo-tabeliães. Especialmente na vida notarial, a Lei de Gerson deveria estar em completo desuso. Como afirma o Dr. João Pedro Lamana Paiva, notários e registradores públicos precisam ser e dar o exemplo para uma sociedade já tão contaminada por apalpadores da moral.

  4. J. Hildor disse:

    Tomo a liberdade de “colar” aqui, por ser pertinente, o ensinamento postado no grupo CartórioBr, por Felipe Leonardo Rodrigues, Tabelião Substituto do 26º Tabelionato de Notas de São Paulo (Capital), conquanto se discute se nulo ou anulável o ato lavrado por tabelião fora de sua circunscrição. Pelo que se vê, é nulo, como defendemos, e desde a Ordenações Filipinas. Segue (mensagem do Felipe):
    Oi Hildor, concordo contigo. O art. 9º é claro nesse assunto.
    Se eu recebi a delegação da cidade A, não posso -sob pretexto de integrarem a mesma comarca- fazer atos de meu oficio na cidade B, pois, nesse caso, cumpre ressaltar que município é circunscrição administrativa autônoma, e comarca é circunscrição judiciária (podendo abarcar outros municípios).
    Vale lembrar os princípios norteadores já esculpidos nas Ordenações Filipinas:
    “Outrosi mandamos, que fação as scripturas declaradas em seus Regimentos, e não tomem as scripturas, que pertencem a outros Officios. E o que fizer o contrario, seja preso e suspenso até nossa mercê. E pagará às partes o interesse e dano, que por isso receberem, e as scripturas sejão nullas”.

  5. Lafaiete Luiz do Nascimento disse:

    Caramba! Bela crônica, J. Hildor. Muitos por aí merecem 1000 aledaplapadas!

  6. J. Hildor disse:

    APALPADORES – O RETORNO
    Notícia trazida pelo vigilante Paulo Roberto Geiger Ferreira, em 24/09/2013.
    E a Silvanira informou que no Ceará tem até selo para a prática da apalpação.
    É a história que se repete:
    “Os tabeliães podem ser impedidos de captar clientela fora de sua competência territorial, sob risco de serem punidos com multa na forma da devolução, em dobro, do valor recebido pelo serviço realizado no lugar do cartório titular da área. Aplicável também aos notários e oficiais de registro, a medida é prevista em projeto aprovado nesta terça-feira (17) pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA).
    Pelo texto da Câmara dos Deputados (PLC 143/09), os tabeliães ficarão proibidos de usar agentes, prepostos e escreventes para abrir filiais, escritórios e postos avançados de seus tabelionatos em outros municípios, para lavrar escrituras e executar outros serviços para seus residentes. A intenção é atacar a “nefasta conduta desleal” de muitos notários que, desrespeitando a legislação, praticam atos fora do território para o qual receberam delegação, segundo a relatora da matéria, a senadora Ana Rita (PT-ES), que atuou como substituta (had hoc) de Kátia Abreu (PSD-TO).
    “É necessário reprimir, com veemência, condutas como essas, de modo a suprimir os condenáveis ‘postos avançados’ ou ‘filiais’ que alguns tabelionatos de notas ilegalmente instalam em municípios vizinhos”, destaca o texto do relatório.
    A lei, entretanto, permite que fora da localidade do imóvel possa ser feito não o registro, mas a celebração do contrato. É possível que, por exemplo, em um cartório de notas de Porto Alegre (RS), seja lavrada uma escritura pública formalizando um contrato de compra e venda relativo a imóvel situado em Boa Vista (RR). Essa escritura, todavia, só poderá ser registrada no cartório de imóveis localizado na capital de Roraima.
    A matéria tramitava em conjunto com o PLS 501/2007, do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Ana Rita rejeitou o projeto levando em conta, conforme assinalou, a maior abrangência da proposição da Câmara.
    A matéria seguirá agora para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde recebe decisão terminativa”.

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