RENÚNCIA DE HERANÇA E VÊNIA CONJUGAL

Ponto da mais alta indagação no mundo jurídico, quando se trata de renúncia de herança, diz respeito à necessidade ou não de anuência do cônjuge do renunciante na escritura pública, ou nos autos do inventário judicial. A questão divide opiniões.

Em instigante artigo publicado neste mesmo blog, o tabelião Marco Antônio de Oliveira Camargo cita Maria Helena Diniz e Washington de Barros, para os quais é desnecessário o consentimento do cônjuge.

Informa o articulista que corrente contrária defende a imprescindibilidade da vênia quando for o herdeiro casado em qualquer regime que não seja o da separação convencional de bens, a exemplo de Francisco Cahali e Giselda Hironaka: “tratando a sucessão aberta como imóvel a renúncia à herança depende do consentimento do cônjuge (…). Considera-se que a ausência do consentimento torna o ato anulável, uma vez passível de ratificação (RT, 675/102); no mesmo sentido: RTJ, 109:1086)”.

Refere ainda Zeno Veloso, que entende imprescindível a outorga do cônjuge pelo renunciante casado (salvo se o regime de bens for o da separação absoluta, regulamentado pelo art. 1.647 do CC), visto que a herança, por lei, é considerada imóvel e a renúncia seria equivalente a uma alienação.

Para reforçar esta tese, o art. 17 da Resolução 35/2007, do CNJ, alerta que nos casos de inventário por escritura pública, os cônjuges dos herdeiros deverão participar do ato quando houver renúncia.

Pois bem. É certo que a lei civil exige o consentimento para a alienação de imóveis, exceto no regime da separação absoluta, conforme o art. 1.647, do Código Civil, sendo importante esclarecer que a renúncia não constituiu ato de alienação, embora parte da doutrina entenda que sim; renunciar, em sentido jurídico, é abandono de direito por seu titular, sem o transferir a terceiro, diante do que resta afastada a necessidade de participação do cônjuge, salvo a exceção adiante verificada.

De fato, qualquer que seja o regime de bens, o cônjuge do herdeiro não é herdeiro, mas é preciso ressalvar que conforme o regime de bens adotado no casamento, ocorre comunicação patrimonial tão logo transmitida a herança ao sucessor, o que se dá no exato momento da morte do autor da herança, pelo princípio da saisine (art. 1.784, CC). Logo, independente de aceitação, os bens do espólio se incorporam de plano ao patrimônio do herdeiro

No regime da separação de bens, ou da comunhão parcial, ou da participação final nos aquestos, a herança transmite-se unicamente ao patrimônio particular do herdeiro, sem comunicação de aquestos, porém havendo comunicação quando se trata do regime da comunhão universal.

Diante disso, ainda que o cônjuge do herdeiro não tenha direito na herança, por via reflexa os bens do espólio passam de imediato a integrar o patrimônio do casal, caso em que terá que anuir na renúncia feita pelo herdeiro.

Concluindo, mesmo que se considere imóvel o direito à sucessão aberta, a lei não exige anuência do consorte nos atos de renúncia de herança pelo sucessor, porém, deve se entender que se casado pelo regime da comunhão universal de bens, será ela ineficaz em relação ao que não consentiu.

O TJ/RS decidiu, em 13/06/2007, que havendo renúncia de herança por herdeiro casado sob o regime da comunhão universal de bens, se faz necessário o consentimento conjugal (Apelação Cível 70018543744, 7ª Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel).

Claro, reiterando a afirmação inicial, trata-se de tema de alta indagação, com interpretações as mais diversas, e da mais respeitável doutrina.

Assim é o Direito.

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EXIBINDO 0 COMENTÁRIOS

  1. ROBERTO FORNER JR disse:

    Posições à parte, reveste-se de forma muito clara sua posição. Realmente, pontua-se com absoluta lucidez.
    Parabéns!

    Roberto, RCPN/Notas, sede, Linhares/ES.

  2. Leo Wirth disse:

    Boa tarde mestre José Hildor! Por uma questão de prudência eu estou exigindo em todos os atos de renuncia de herdeiro casado (a não ser na separação convencional de bens) participação do cônjuge.
    Teriamos, no entanto, muito a discutir a partir do estrito entendimento dos efeitos da renuncia, inclusive da sua eficácia desde o evento morte. A grande maioria dos pensadores dizem que com a renuncia feita por aquele herdeiro que não praticou qualquer ato ou não teve nenhuma conduta que pudesse fazer presumir a aceitação da herança, o efeito principal é o de que a herança nunca ter se incorporado ao patrimônio do renunciante (diz-se: e como se aquele herdeiro não existisse por ocasião da abertura da sucessão. Se é assim, então não haveria bem comum (muito menos imóvel) a exigir ou justificar a participação do cônjuge. E se a sucessão se abriu antes do casamento?? Pena que não tenho nada a herdar do meu pai, se não, quando ele viesse a falecer, eu iria renunciar sem o consentimento da minha esposa, e iria orientar ela a questionar a renuncia e faríamos da diversão um laboratório. Se bem, poderíamos travar a discussão mesmo na ausência de bens, o laboratório ficaria melhor ainda!

  3. J. Hildor disse:

    Grato, colegas Roberto, lá de Linhares, no Espírito Santo, e Léo, gaúcho aqui de São Marcos, pela leitura e comentários ao texto.
    De fato, independente da posição de cada um, o debate é importante, de modo a que se lancem luzes sobre os temas que atormentam a classe.

  4. Sérgio Alves disse:

    Texto muito gratificante pra quem lê. A clareza que você consegue transmitir ao escrever sobre assuntos práticos é impressionante. Deleitem-se amantes do Direito!

  5. J. Hildor disse:

    Grato também ao Sérgio, estudioso do Direito Notarial e Registral, sempre atento e participativo nos debates de interesse da profissão.

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