PEDREIRO BÊBADO NO VELÓRIO
Lá na minha terra todo mundo conhece o Morto.
Parece que foi ontem. Eu estava no cartório, batendo com força na Dona Olivetti, quando vi passar correndo, aos prantos, uma sobrinha do Morto.
Curioso, fui assuntar com o pessoal do Hotel Becker, onde a menina trabalhava, para saber a razão do choro. Então contaram da morte do Morto. Tinham acabado de telefonar para o hotel, naquela época um dos poucos locais com telefone no lugar, dando conta do sucedido.
– Atropelado!… Disseram tristemente.
Não era de estranhar que fosse atropelado, mesmo. O Morto – ninguém mais lembra o nome dele, e nem sei se o próprio poderia lembrar – bebia muito, do amanhecer até o amanhecer, entre uma e outra pausa para um ronco, que ninguém é de ferro. Era quase incompreensível que nunca caísse da bicicleta, embora ziguezagueasse muito.
– A bicicleta virou um bodoque!… Disseram dramaticamente.
Tinha sido na Linha Brasil, lá perto do Bailão do Schwantz, na curva depois da ponte. Um caminhão vinha ligeiro, na estradinha poeirenta, e o Morto vinha na contramão, ziguezagueando de bicicleta.
– Não sobrou nada!… Disseram macabramente.
Os parentes lá do cerro tinham vindo para o velório. Já era madrugada e nada do corpo chegar. Para espantar o sono, iam bebendo cachaça, enquanto o corpo não chegava.
O corpo só chegou de madrugada, ziguezagueando de bicicleta.
Descobriu-se então. Ele próprio tinha telefonado narrando o atropelamento, com voz disfarçada. Depois, curado do porre, voltou ziguezagueando para casa, onde todos esperavam o corpo, ou o bodoque. E daí que só não morreu de verdade, mesmo, porque depois de muito apanhar dos parentes e até da mulher, a polícia evitou o linchamento, desfez o velório e mandou todo mundo embora.
Lembrei do episódio quando li, na Zero Hora de quinta-feira (também pode ser lido aqui), que em Santo Antônio da Platina, no Paraná, aconteceu algo parecido, com o pedreiro Ademir Jorge Gonçalves, dado como morto depois de passar a noite bebendo em um bar, e estava para ser enterrado na segunda-feira, justo no dia de finados, depois que o corpo foi reconhecido por uma tia e quatro amigos. Como eu sempre digo: com amigos assim, para que inimigos?
O cadáver era de outro, atropelado na noite anterior. Avisado, Ademir foi ao cemitério e desfez a confusão, mas ficou no prejuízo, porque o dono do apartamento onde vivia, que era um dos amigos que reconheceu (sic) o cadáver, queimou todas as suas roupas e o colchão onde dormia.
Prejuízo também para a funerária, em tempos de vacas magras, nos dois casos. Para o cartório não, que o registro de óbito é gratuito, mesmo. E além do que, não haveria o tabelionato de aplicar a Lei nº. 11.441/07 e fazer o inventário por escritura pública somente de uma bicicleta velha, ou das cinzas de um colchão usado.
De resto, vida longa aos falecidos.
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Acabei de receber o e-mail copiado abaixo, da colega Patrícia Seckler, tabeliã e registradora de Dona Francisca (RS). Não resisti em colar aqui a mensagem da Patrícia, porque além de ser pertinente, trouxe boas notícias do “Morto” – que segue vivo, felizmente, e o que é melhor, andando de bicicleta.
Espero que a Patrícia, cumprindo o prometido, consiga mais informações acerca do vivente, que como se vê, vai vivendo.
Segue o texto recebido:
“Bom dia Hildor,
Hoje pela manhã, ao vir p/ D. Francisca, encontrei o teu personagem “Morto”, e achei q. gostarias de saber notícias do vivente:
Ele agora possui uma bicicleta motorizada, com direito inclusive a capacete de ciclista, e estava “dirigindo” lá pelas bandas de Paraíso do Sul (no asfalto), segundo o Robertinho ele faz o trajeto Cerro BrancoXSanta Maria, de bicicleta, achei quase q. impossível, mas a algum tempo encontrei-o no mercado em Cerro Banco e ele contou q. havia sido assaltado em Sta. Maria. Agora estou curiosa e vou averiguar se o “Morto” agora apelou para aventuras radicais.
Desculpe se te fiz perder tempo com bobagens, mas não resisti. Vim o restante do caminho rindo.
Ei como estão os preparativos p/ o encontro notarial?”
Não posso deixar de registrar aqui que hoje vi o Morto, ao vivo, mais vivo do que morto, embora tão magro, tão magro, que de perfil quase desaperece.
Estava andando de bicicleta, ziguezagueando, só que agora totalmente sóbrio. Não era a bicicleta motorizada do relato da Patrícia. Também estava sem capacete.
E só não está morto de verdade porque largou o trago, há anos.
Mas preocupei-me com a magreza. Será o cigarro?
Pois parece que não para de aparecer morto no próprio velório. Pelo jeito virou moda. Foi notícia hoje, no “Terra”. Ver link abaixo.
http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/homem-aparece-vivo-no-proprio-velorio-e-surpreende-familia,31eb8e150d6a4410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html