Casamento Gay; ainda… (ato jurídico inexistente)

Ainda o casamento gay

Retorno ao tema.

Fui provocado ao debate por um colega registrador civil que argumentou no sentido de que no atual estágio do direito brasileiro estaria completamente vedada a possibilidade de haver qualquer espécie de discriminação em razão do sexo dos cônjuges ou conviventes, e, portanto, viável o casamento homoafetivo, por conversão da união estável.

Respondi a ele nos seguintes termos:

A união estável é regulada por lei própria e sobre ela não parece existir mais nenhuma dúvida em relação à possibilidade dela ocorrer entre pessoas do mesmo sexo, pois, apesar do texto da lei ser restritivo, o Supremo fixou sua interpretação conforme a Constituição.

Quem define o casamento é o código civil em seus artigos 1511 a 1516 (nem a Constituição o faz) e o artigo 1514 exige diversidade de sexos para existir casamento (assim como o livre consentimento e a formalidade da intervenção do Juiz de Paz). Esta linha de raciocínio está, creio eu, bem desenvolvida naqueles artigos que escrevi no Blog do CNB.

Talvez ainda não esteja clara a citação dos dispositivos constitucionais sobre o casamento. 

Em todo o texto consolidado da Constituição a palavra "casamento" ocorre por 7 vezes (bendito processador eletrônico de texto – pode conferir) e dos comandos ali existentes o único que pode interessar ao debate é o que consta do parágrafo 3° do artigo 226 –  … a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento .… 

Então, a conversão da união estável em casamento depende de LEI formal e tal lei é a de n° 9278/96 que, como dito acima, teve sua correta interpretação fixada pelo STF, excluindo a possibilidade de uma leitura restritiva.

O artigo 8° desta citada lei define que os conviventes poderão requer a união estável em casamento junto ao Registro Civil. Perfeito, se os conviventes atenderem a todos os requisitos que a Lei define para o casamento válido. 

A união estável entre pessoas que já foram casadas e que são separadas de fato (ou que ainda não estão formalmente divorciadas) é reconhecida como possível, mas, nem por isso pode ser convertida em casamento na forma deste artigo 8°.
Isso é preconceito?…. Claro que não. Trata-se apenas de respeito a outro dispositivo legal que impede novo casamento de pessoas casadas, enquanto não divorciadas.

Então, não tenho  nenhuma dúvida (embora respeite que pensa diferente), como a diversidade de sexos é requisito legal  e fundamental para a existência de casamento válido a conversão de união estável de pessoas do mesmo sexo em casamento DEPENDE SIM DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA

 

Conforma-me sentir que não estou só em meu entendimento.

Consta que o TJ do RS ao negar a viabilidade do casamento gay, fez constar em sua sentença, exatamente o mesmo argumento que este colunista tem defendido, mas de forma menos técnica, ou seja, o desembargador gaúcho deixou claro que casamento sem diversidade de sexos deve ser definido como um ato jurídico inexistente.

Nem caberia, portanto, sequer questionar eventual eficácia e validade do ato, pois o que não pode existir (juridicamente falando) nem pode ser valorado quanto ao seu potencial de validade e aptidão para produzir efeitos no mundo jurídico.

Segue adiante um trecho da notícia veiculada pela Arpen-SP e que foi objeto de artigo escrito anteriormente por este colunista

 

……

Ao negar provimento à apelação, o desembargador lembrou que, desde a mais remota antiguidade, o instituto do casamento tem raízes não somente na regulação do patrimônio, mas também na legitimidade da prole resultante da união sexual entre homem e mulher. "Não há falar em lacuna legal ou mesmo de direito, sob a afirmação de que o que não é proibido é permitido, porquanto o casamento homossexual não encontra identificação no plano da existência", afirmou.  (grifei)

Ainda segundo o desembargador, examinar tal aspecto está além do poder discricionário do juiz. "O direito brasileiro oferta às pessoas do mesmo sexo, que vivam em comunhão de afeto e patrimônio, instrumentos jurídicos válidos e eficazes para regular, segundo seus interesses, os efeitos materiais dessa relação, seja pela via contratual ou, no campo sucessório, a via testamentária", lembrou. "A modernidade no direito não está em vê-lo somente sob o ângulo sociológico, mas também normativo, axiológico e histórico", acrescentou o desembargador, ao negar provimento à apelação e manter a sentença

 

Confira-se em  – http://www.arpensp.org.br/principal/index.cfm?tipo_layout=SISTEMA&url=noticia_mostrar.cfm&id=14748

Ainda ilustrando esta questão fundamental do plano da existência dos atos e fatos jurídicos, deveras interessante transcrever um trecho do trabalho acadêmico do Dr. Ricardo de Barros Leonel, denominado “Fatos e atos jurídicos. Planos de existência, validade, eficácia, e a questão da querela nullitatis”   ( página 16) acesso possível em http://www.justitia.com.br/artigos/y73219.pdf 

 

…………………..

 

 

E para que o ato exista, portanto, é imprescindível que haja um sujeito ou agente, um objeto, que tenha sido perpetrado com determinada forma, bem como em determinadas circunstâncias (em certo lugar e tempo).

 

 

Sem retomar aqui a discussão a respeito da delimitação de tais elementos, o certo é que na ausência de algum deles não se pode falar em ato jurídico.

 

 

Exemplificando: não se pode falar em compra e venda se o negócio é feito sem nenhum bem móvel ou imóvel, mas apenas de forma fictícia (ausência do objeto); não se pode falar em casamento se o simulacro de ato é praticado entre pessoas do mesmo sexo; não se pode falar em doação, se ela não passa do plano das intenções, por não ter o doador manifestado sua vontade (ausência da forma, que da vida à vontade, com sua manifestação), etc. (sem grifo no original).

…..

Daí a afirmação de JUNQUEIRA de que o elemento do negócio jurídico é tudo aquilo que compõe sua existência no mundo do direito.

 

 

Correta assim a acepção de SALVATORE TONDO, de que a existência jurídica do negócio – acrescente-se, do próprio ato ou fato jurídico – é pressuposto da análise de sua validade ou invalidade. Decorre daí a utilidade da distinção entre inexistência e invalidade: apenas à guisa de exemplificação, basta pensar na possibilidade de convalidação do ato ou negócio viciado, e na eventualidade de produção de efeitos do ato ou negócio inválido, o que não ocorreria na hipótese de ato ou negócio inexistente juridicamente. (grifei)

 

 

Em síntese, é possível inferir que para verificação quanto à existência do negócio jurídico requer-se a análise precisamente da sua idoneidade a ser objeto de valoração por parte do direito, idoneidade que poderá ser reconhecida como suficiente, na medida em que o negócio se apresente com características que rendam-no suscetível de ser comparado com figuras negociais típicas, que são tomadas em consideração pelo ordenamento jurídico.

 

Em outro momento, reconhecido o evento (ato ou fato), passa-se ao exame inerente à sua regularidade….

O momento decisivo se aproxima. Salvo engano o STJ irá apreciar a matéria na seção de 20/10. É só esperar e ver o resultado.

 

 

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