UM TIRO PELA CULATRA

Vou contar de um curso de tiro que se deu no Cerro Branco, faz um bocado de tempo, com 20 participantes, 19 homens e uma mulher, preocupados em bem manejar uma arma, sem perigo de mirar no ladrão e acertar no próprio pé.

Há na linguagem popular um dito sobre coisas que contando, ninguém acredita. Mas vou contar, de qualquer jeito.

As lições iniciais tiveram lugar no CTG “Querência”, e posso dizer que me saí bem nessa fase do aprendizado. Passada a teoria, chegou o dia da prova prática, todos nervosos, temendo pela vida, porque pessoas leigas no manuseio de armas apontavam daqui para lá, de lá para cá, de cá para acolá, para toda parte, enfim.

A aula corria normalmente, em campo aberto, em lugar ermo, todos usando óculos protetores, tapa-ouvidos, capacete, e com o cuidado especial, entre os homens, de ficar o mais afastado possível da mulher, coitada, que poderia mirar o alvo e acertar no pé, dela ou de quem estivesse pela frente.

A primeira etapa consistia em atirar com a mão direita, depois com a esquerda, e em seguida com as duas mãos, numa simulação de tiroteio cerrado.

E foi aí que sucedeu a desgraça, ou a comédia. Enquanto atirava com a mão direta, a esquerda fazia a recarga, para o que era preciso dar uma desmunhecada, trejeitando o pulso, coisa difícil para um gaúcho macho, para não dizer impossível. Talvez por isso eu tenha feito o que fiz, porque afinal e ao cabo, homem que é homem não desmunheca.

O certo é que “descarreguei” o 32, tornei a municiá-lo com uma só mão, achando ter desmunhecado bem, e reabastecida a arma voltei a atirar no pobre inimigo, por certo morto a estas alturas do entrevero, não fosse um simples boneco de tiro ao alvo.

Quando fui verificar o estrago, o alvo não tinha nem um único furo de bala. Estava intacto, são e rosado, e pior, parecendo rir da minha cara. Não podia ser. Eu não podia ter errado todos os tiros. Mas a prova estava ali, e era evidente, concreta, irrefutável.

Indignado, chamei o instrutor, para que conferisse a arma, pois agora é que me dera conta, tinha o cano torto. Que perigo!

Primeiro, o homem olhou para a arma. Depois, olhou para mim, e novamente para a arma, e outra vez para mim. Parecia incrédulo. Pelas feições do rosto dava para ver que não sabia se ria ou se chorava. No fim, não riu e nem chorou; teve dignidade suficiente para não humilhar um pobre aprendiz de atirador. Esclareceu, apenas, que eu não havia dado nenhum tiro por um motivo bem simples: as balas tinham sido colocadas ao contrário, de trás para frente, no tambor do revólver. Coisa impossível, a princípio.

Tchê! – disse ele – eu já dei mais de cem cursos desse tipo, e juro que nunca vi nada igual.

E fez uma demonstração, com outra arma, tentando colocar os projetis de trás para diante, sem conseguir, provando que a arma não “fecha”, em tal caso.

Agora era eu que não sabia se ria ou se chorava. Mas também não ri e nem chorei. Podia julgar-me importante, porque o que eu havia feito ninguém nunca tinha conseguido. O instrutor tentou abrir a arma que eu utilizara e a arma não abriu. Fez força, mais força, outro esforço, e nada de abrir a dita, que foi passando de mão em mão, cada qual querendo abri-la. Assim como na teoria era impossível ter fechado a arma, na prática parecia impossível abri-la.

Ora, se eu consegui fechar, por quê eu não conseguiria abrir?  E se fechei sem fazer força, ao contrário, até meio que desmunhecando – a contragosto, a contragosto – então também não precisaria de força agora. E foi assim, depois de alguns minutos, que de repente, com uma leve pressão na roleta consegui de novo a proeza, agora sob aplausos. Abracadabra!

Foi nesse dia que aprendi que tiro não sai pela culatra, e ainda bem, porque senão a estas horas eu não estaria aqui contando este fatídico acontecimento.

Depois, procurei o rumo de casa, de onde não saí da cama por três dias, até que minha mulher mandou que eu levantasse e fosse trabalhar, ora essa, onde já se viu, um marmanjo desse tamanho!!!

Mas, alguém lembra da mulher? Pois acabou mesmo acertando um dos participantes do curso, e não exatamente com um tiro no pé, porque foi direto no coração de um amigo meu, que se quedou aos pés dela, babando, não sem antes revidar na mesma moeda, ou com arma de igual calibre, como naquele adágio: quem com ferro fere, com ferro será ferido. Ou então, olho por olho, dente por dente.

Tão fulminante, que até hoje estão casados, e apaixonados.

De lambuja, além de conquistar o parceiro foi a primeira colocada no curso de tiro. Também, para uma mulher é fácil desmunhecar.

Eu não desmunheco! Eu não desmunheco!

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EXIBINDO 0 COMENTÁRIOS

  1. Ilceo disse:

    Confirmo. A história é verdadeira. O homem conseguiu essa proeza. Até hoje o coitado do instrutor está procurando uma explicação. Não a encontrando desistiu de dar aulas de tiro. Dizem que está internado num hospital psiquiátrico. Sofre de delírios e alucinações, sempre insistindo que uma bala está vindo direto no seu olho. E a mulher aquela é a minha mulher e eu sou o apaixonado. Só uma correção se faz necessária. O campeão do curso fui eu. Ela ficou em segundo lugar. De qualquer forma, por segurança meu revólver está bem guardado dentro do cofre. O segredo só eu sei. Não sou louco de arriscar.

  2. Henrique disse:

    Prezado,
    Como ex-policial e atual tabelião posso lhe garantir que a despeito das dificuldades iniciais no “stand” de tiro (Eu mesmo não acertei nenhum tiro na primeira oportunidade), rapidamente as coisas passam a fazer algum sentido, por exemplo: a munição deve ser colocada na arma sempre na mesma posição.
    Infelizmente, em razão da multiplicidade, da antinomia e, sobretudo, da constante mutabilidade das Leis, Normas de Serviço, e Decisões Vinculativas incidentes sobre a atividade tabelioa, por vezes sinto-me como um eterno novato.

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