REVOGAÇÃO DO MANDATO E AVERBAÇÃO NOTARIAL

A revogação do mandato deve ser averbada no livro de notas onde foi outorgada a procuração, ou a prática não é permitida no ato notarial? Para não alongar o texto, comparemos somente as normas administrativas existentes em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, diametralmente opostas.

O código de normas editado pelo tribunal catarinense impõe aos tabeliães fazer comunicação ao colega que tenha lavrado a procuração revogada, por ato feito em suas notas, aos fins de averbação, providência que se torna inócua quando dirigida aos notários gaúchos, aos quais é vedado o averbar.

O art. 710 da Consolidação Normativa Notarial e Registral, instituída pelo Provimento nº 32/06-CGJ/RS, dispõe que “face à sistemática notarial e à organização de seus livros, é impraticável a averbação, em atos lavrados, de revogações…”.

A questão é complicada, mas a norma gaúcha tem fundamento lógico.

Para a extinção do mandato não é suficiente o ato puro e simples de revogação, somente atingindo seus objetivos se for notificado o procurador. Há de considerar-se que embora válida a escritura pública de revogação, não tem ela eficácia enquanto não for dada ciência ao mandatário, do mesmo modo como é ineficaz a escritura pública de pacto antenupcial se não lhe seguir o casamento.

Assim, não pode o tabelião averbar a revogação se não tiver havido a necessária notificação ao procurador, tal como o registrador de imóveis não pode registrar o pacto antenupcial se não houver prova do matrimônio.

Para culminar, o Código Civil (art. 689) declara que são válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a extinção do mandato, por qualquer causa.

Então, como poderá o tabelião saber se a notificação foi feita, ao ser comunicado somente do ato revogatório, sem demonstração da ciência ao mandatário? E mesmo que houvesse prova da ciência, ainda assim não se encontra previsão em lei para a prática da averbação.

Não se pode olvidar que é possível o mandante assinar o ato de revogação e depois esquecer, ou arrepender-se, desistindo de notificar o mandatário. Como então averbar uma revogação que não se concretizou?

Mas a questão é bem complicada, sim.

São fortes também os argumentos daqueles que defendem a averbação, ainda que reconheçam não haver previsão legislativa além das escassas normas estaduais, ao entendimento de que o fato não traria nenhum prejuízo, e ao contrário, até, serviria para evitar litígios.

De um lado, aponta-se para o aspecto moral; e de outro, para a letra fria da lei.

O assunto merece um amplo debate, que culmine, quem sabe, na aprovação de uma lei capaz de uniformizar procedimentos em nível nacional, assim acabando com as normas contraditórias nas diversas unidades da federação.

Que tal começarmos por aqui a discussão em busca do objetivo?

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  1. JOSÉ ANTONIO ORTEGA RUIZ disse:

    “O assunto merece um amplo debate, que culmine, quem sabe, na aprovação de uma lei capaz de uniformizar procedimentos em nível nacional, assim acabando com as normas contraditórias nas diversas unidades da federação”. Talvez, sem ter nenhuma intenção de ditar a última palavra, não há esse desejo, esteja aqui, nessa afirmação, a solução não só para esse, mas para diversos problemas de nossas funções, UNIFORMIZAR PROCEDIMENTOS A NIVEL NACIONAL.
    Pois aqui (PR) devemos informar independentemente de ter ou não sido feita a comunicação e aceita. Mas como vemos, outros também por suas normas não estão obrigados a aceitar a revogação. É realmente intrincado. E creio ser a solução a que foi exposta acima.
    Um abraço Dr. Hildor, suas análises, e especialmente seus posicionamentos são de suma importância. José Antonio – Amaporã-PR.

  2. Jose Maria disse:

    Caro Hildor,
    Excelentes palavras, que nos levam a refletir e muito sobre nossos atos e obrigações. Mas veja, em função do princípio da fé pública notarial e da segurança jurídica, o notário não deveria ser “obrigado” a fazer essas anotações quando tiver conhecimento desses fatos?? É realmente de se pensar….
    Só pra jogar uma pouco mais o assunto, vejas as Normas de Serviço de São Paulo:
    22.1. Os Tabeliães dos Cartórios de Notas, ao lavrarem instrumento público de substabelecimento de procuração ou revogação de mandato escriturado em suas próprias serventias, averbarão essa circunstância, imediatamente e sem ônus à parte, à margem do ato revogado ou substabelecido.
    22.2. Quando o ato revocatório ou de substabelecimento tiver sido lavrado em outra serventia, o Tabelião, imediatamente e mediante o pagamento pelo interessado da despesa postal da carta registrada, comunicará essa circunstância ao Tabelião que lavrou o ato original, encaminhando-lhe cópia do substabelecimento ou da escritura de revogação de mandato que lavrou.
    22.3. A cópia da escritura de substabelecimento de procuração ou revogação de mandato será arquivada em pasta própria, anotando o Tabelião, à margem do ato substabelecido ou revogado, o número da pasta e a folha em que arquivado o documento referido, com remissões recíprocas.
    Abraços
    José Maria – 2º TN de Atibaia, SP.

  3. J. Hildor disse:

    As manifestações do José Antônio e do José Maria bem demonstram a complexidade do tema, a exemplo do que se tem igualmente debatido no grupo de discussões “CartórioBr”, sendo desencontrados os entendimentos.
    A maioria tem sido favorável ao anotar, ou averbar, aos efeitos de alertar o possível adquirente do imóvel acerca dos riscos eventuais.
    Acredito que o debate vai lançar mais luzes sobre o assunto. Ao mesmo tempo que devemos zelar pela segurança jurídica, não podemos também agir além do próprio Direito.
    O tema é bom, e o tempo possivelmente vai nos dar a resposta mais adequada.

  4. Airton M. Nedel Junior disse:

    Prezados, minha opinião pessoal é de que seja feita a averbação, mesmo sem a prova da notificação do mandatário.
    Atuo no RS e, mesmo a previsão legal estadual sobre o tema sendo contrária a averbação, estou procedendo da seguinte forma: Ao receber a comunicação de uma procuração revogada, bem como ao lavrar uma revogação de procuração do Tabelionato em que atuo, faço um “bilhete” e anexo na folha respectiva do livro do ato revogado as informações de que o ato foi revogado, contendo o número da escritura, folha, data e tabelionato em que foi lavrado o ato de revogação.
    Assim estou agindo com o intuito de gerar maior publicidade e principalmente segurança jurídica aos atos.
    Sou completamente favorável a adoção de procedimentos a nível nacional, uniformizando a atuação de notários e registradores.

  5. J. Hildor disse:

    O colega Airton nos brinda com uma reflexão sobre o modo de atuação no tabelionato do qual é responsável, manifestando firme convicção em defesa do averbar a notícia de revogação do mandato, ainda que ausente a notificação ao mandatário, e em que pese a norma gaúcha que ordena ser impraticável o ato.
    Mesmo sem proceder efetivamente a averbação, para não contrariar os ditames da CGJ/RS, busca alertar o eventual comprador de imóvel.
    Bem se vê que o tema é bem complexo, de fato, como o próprio texto adiantou.
    A duscussão deve prosperar na busca do melhor remédio.

  6. Airton Moacir Nedel Junior disse:

    Prezados, temos novidades sobre o assunto.
    Vejamos o que dispõe o provimento 18 da Corregedoria Nacional de Justiça em seu Art. 9º, §4º:
    “§ 4º. Independentemente da prestação de informações à Central de Escrituras e Procurações – CEP, será obrigatória a comunicação da lavratura de escritura pública de revogação de procuração e de escritura pública de rerratificação, pelo notário que as lavrar, ao notário que houver lavrado a escritura de procuração revogada, ou a escritura pública do negócio jurídico objeto da rerratificação, com a realização das anotações remissivas correspondentes, em todas as escrituras, pelo remetente e pelo destinatário.”

  7. J. Hildor disse:

    Pois é, o atento colega Airton bem nos lembra que o recente Prov. 18/CNJ, que criou a Censec (Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados), editado na semana que finda, no dia 28 de agosto, e que passará a vigorar em 90 dias, em todo o território nacional, vem de uma vez por todos pacificar o tema tratado no nosso pequeno estudo.
    Escrevemos na parte final do artigo o seguinte:
    “O assunto merece um amplo debate, que culmine, quem sabe, na aprovação de uma lei capaz de uniformizar procedimentos em nível nacional, assim acabando com as normas contraditórias nas diversas unidades da federação. Que tal começarmos por aqui a discussão em busca do objetivo?”…
    Nem houve necessidade de discussão.
    O provimento editado pelo CNJ tem força normativa, não cabendo mais discutir sobre haver ou não previsão legal para o averbar nos atos notariais.
    Resta com isso derrogado, no Rio Grande do Sul, o art. 710 da CNNR, que vedava aos tabeliães gaúchos a averbação em atos notariais.

  8. Camila Pinho de Sousa disse:

    Sr. José Hildor, gostei muito do tema abordado.
    Minha opinião é de que deve haver averbação da revogação de um mandato, até porque o mandante pode desconhecer o endereço atual do mandatário, o que obsta uma notificação “efetiva” do mesmo. Uma vez averbada a revogação, o próprio terceiro que, com cautela, pede uma certidão atualizada da escritura que outorgou poderes ao mandatário, terá conhecimento que o mandato foi revogado. O que oferece segurança às relações negociais.
    Um abraço.
    Aproveito para convidá-lo a conhecer meu blog: http://www.direitoimobil.blogspot.com.br

  9. J. Hildor disse:

    Já visitei o blog da Dra. Camila, e aproveito para parabenizá-la pela iniciativa, assim como pelos temas postados, podendo recomendar a sua leitura, com certeza.
    Com relação ao comentário sobre averbação nos livros notarais, e como já foi exposto, o Prov. 18, do CNJ, veio em boa hora pacificar a questão, não havendo mais motivos para a discussão.

  10. Paulo de Matos Bonfá disse:

    Muito produtivo as palavras de orientação de José Hildor. Diante de meu parco conhecimento , penso que o ideal seria que tanto mandante, quanto mandatário, comparecessem ao ato de revogação do mandato.
    Assim haveria uma comunicação de fato e comprovada da ciência do mandatário. Desta forma a averbação ou anotação seria feita no Cartório de origem da procuração, bastando apenas determinar a cobrança de emolumentos. Estou analisando a questão de forma simples e prática, mas quem sabe na simplicidade um pouco mais de luz possa brilhar sobre esta questão.

  11. Antonio Carlos -Aimores-MG disse:

    No caso em questão, deve o cartório que lavrou a procuração fazer a notificação a outra Parte QUANTO A REVOGAÇÃO, ou deveria ser esta feita pelo renunciante.

  12. Jean Karlo Woiciechoski Mallmann disse:

    Muito bom o texto.

    O art. 710 da CNNR/RS foi “tacitamente revogado” pelo art. 9º, § 4º do Prov. 18 do CNJ, que deu uma uniformização nacional ao tema… e bem fez, na minha humilde opinião, até pelo fato de ter utilizado a terminologia tecnicamente correta “anotações remissivas” para designar o ato do tabelião de dar notícia da revogação na margem do instrumento público de mandato.
    É de se ressaltar que, segundo balizada doutrina, vige em nosso sistema notarial o Princípio da Unidade Formal do Ato, o qual deve ser entendido como elemento formal do instrumento, no sentido de que o ato notarial se constitui em um instrumento único, em que pese várias poderem ser as fases de sua elaboração (aconselhamento, discussão, minuta, correção e outorga).
    Nesse passo, não tenho que seja correto chamar o referido ato de “averbação”, pois esse elemento acessório ao ato principal visa modificar o seu teor ou cancelá-lo, o que efetivamente não ocorre, haja vista que a procuração pública está perfeita e acabada.
    O que efetivamente ocorre a partir do efetivo conhecimento da revogação pelo mandatário é a perda da eficácia daquela procuração, a qual não deixa de ser válida.
    Em outras palavras, como bem falado no texto de J. Hildor, o art. 689 do CCB preceitua que “são válidos [eficazes], a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a extinção do mandato, por qualquer causa”.
    Todavia, também julgo importante para a segurança jurídica do negócio a “anotação” da revogação. Porém, essa só chegará, por esse meio, ao conhecimento do mandatário na situação muito específica de, p. ex., o mandatário pedir certidão da procuração ao Tabelião (caso em que na certidão constará a notícia da revogação).
    Para uma maior segurança, e também para que haja a celeridade que hodiernamente se exige nas dinâmicas relações negociais, tenho para mim (e aqui só como tema de reflexão) que os dados do CENSEC deveriam ser efetivamente utilizados com esse intuito: publicizar a revogação das procurações.

  13. J. Hildor disse:

    Respondendo ao Antônio Carlos, desculpando-me pelo atraso: a notificação é incumbência do renunciante.

  14. J. Hildor disse:

    Que grata e elucidativa a participação do Jean Karlo. Eis aí um estudioso do Direito, e mais, daqueles que não guardam para si o que sabem, mas que generosamente divulgam o conhecimento.

  15. Cristiano Estrasulas Jardim disse:

    Reavivando a discussão, creio que tão importante quanto a relação mandante – mandatário, ou talvez até mais, é a relação do mandatário com terceiro. O provimento 18 do CNJ dá segurança ao terceiro que contrai negócio com o mandatário, mediante certidão atualizada da procuração que sustenta o negócio entabulado.

    Gosto muito das discussões provocadas pelo Dr. J. Hildor, em quase todas as minhas pesquisas on line sobre direito imobiliário caio aqui.

    Forte abraço!

  16. J. Hildor disse:

    Obrigado ao Cristiano pela leitura e participação no blog, cujo objetivo é justamente despertar a discussão dos temas notariais e de registros.

  17. Débora disse:

    Prezados, tenho uma dúvida prática: Posso fazer a comunicação da escritura pública de revogação ao mandatário por meio de carta com aviso de recebimento e anexando uma cópia da revogação?
    Obrigada!

  18. J. Hildor disse:

    Débora, até pode, mas a carta com AR não faz prova do conteúdo da correspondência.
    Por isso, o mais aconselhável é que se faça a notificação pela via judicial, e ou então administrativamente, através de cartório de títulos e documentos.

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