Autonomia do Registrador de Imóveis

O artigo 3º da Lei 8935/94 apregoa que “o registrador, é profissional do direito, dotado de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade de registro”. Por conseguinte, o artigo 28 da Lei n. 8.935/94 dispõe que “os oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições…”. Nessa medida, o registrador deve observar somente a lei.

O registrador tem autonomia para realizar análise da legalidade e das formalidades registrais. Assim, deixar de decidir, efetuando consultas ao juiz corregedor descaracterizaria sua função e sobrecarregaria o corregedor.

Destarte, o registrador tem liberdade para realizar juízo de valor nos termos da lei, mas até que ponto vai essa liberdade? Caso seja suscitada dúvida e o magistrado reitere a determinação, poderia o registrador desobedecer essa ordem judicial em razão da sua autonomia?

A atividade desenvolvida pelo registrador imobiliário tem natureza pública. Caso o registrador não cumpra a ordem judicial não poderá ser imputado no crime de desobediência, tipificado no artigo 330 do Código Penal, pois está incluído entre aqueles praticados por particular contra a administração em geral.

Ademais, não há a possibilidade de o registrador ser imputado em crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal, ou seja, aquele que “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

O elemento material da prevaricação pode apresentar-se sob três aspectos: retardar indevidamente ato de ofício, deixar indevidamente de praticá-lo, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei. E, ainda, o elemento essencial da prevaricação é satisfação de interesse ou sentimento pessoal que não existe no caso em comento.

Sendo assim, a qualificação negativa com fundamento na lei não se enquadra em nenhum desses aspectos da prevaricação porque o registrador age dessa forma para proteger direito de terceiros e a segurança dos registros. Esse caso é hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, a qual exclui a culpabilidade. Portanto, a recusa do registro pelo oficial não é crime, pois pela Teoria Tripartida exige-se, para que haja crime, que o fato seja típico, ilícito e culpável.

Ocorre que, manifestando-se sobre o assunto, o ilustre doutrinador Ricardo Dip assim se pronunciou: “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admitiu, a meu ver com razão, a supremacia da hipoteticamente mais pálida das decisões jurisdicionais sobre a mais brilhante e admirável das decisões de caráter administrativo”. (DIP, Ricardo Henry Marques. “Dúvidas sobre o futuro da dúvida no registro de imóveis”, Revista de Direito Imobiliário n. 64 (janeiro-junho de 2008). São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 254.) 

Nesse ínterim, ante a renovação da determinação judicial, outra alternativa não restará ao registrador senão proceder ao ato de registro, observado o prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 188, da Lei de Registros Públicos, fazendo, se for o caso, as anotações e notificações que, no seu juízo, são necessárias para se resguardar de futuras ações indenizatórias, proteger o direito do titular da matrícula e interesses de terceiros.

 

Referências Bibliográficas

CHAVE. Talita de Lima. Bipartida ou tripartida? Breves considerações sobre a teoria adotada pelo Código Penal. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/28195/bipartida-ou-tripartida-breves-consideracoes-sobre-a-teoria-adotada-pelo-codigo-penal. Acesso em 16 setembro 2015.

DIP. Ricardo Henry Marques. Dúvidas sobre o futuro da dúvida no registro de imóveis. Disponível: em  http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:artigo.revista:2008;1000827032. Acesso em 16 setembro 2015.

____. Sílvia. Qualificação registral e crime de desobediência. Disponível em: https://arisp.wordpress.com/2008/02/26/titulos-judiciais-qualificacao-e-crime-de-desobediencia/. Acesso em 01 setembro 2015.

SCARANCE FERNANDES. Antonio. O cumprimento de ordem judicial pelo registrador: aspectos penais e processuais penais. Disponível em: https://arisp.files.wordpress.com/2007/12/scarance-fernandes-o-cumprimento-de-ordem-judicial-pelo-registrador.pdf. Acesso em 16 setembro 2015.

 

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